18/04/2010

Mitos (6) – a Grécia é vítima dos especuladores

Em rigor, a Grécia, tal como Portugal, está a ser vítima de si própria, da libertinagem financeira pelo menos desde o Euro, da fraude contabilística, da irresponsabilidade e incompetência dos seus políticos, empresários e das suas elites. Esqueçamos por agora a responsabilidade colectiva do povo grego, e do povo português, por não conseguir gerar elites de melhor qualidade e dançar ao som da música de elites medíocres. Também por agora, vamos esquecer estes factos fundamentais e vamos perfilhar o discurso de que, se alguém é responsável pela tragédia grega, não são os próprios gregos. Em suma, vamos procurar os bodes expiatórios.

Bodes expiatórios que, em boa verdade, já foram encontrados: são os especuladores, não obstante, infelizmente para esta tese, os factos não parecerem comprová-la. Segundo a investigação do WSL aqui reportada, baseada na análise dos registos das transacções efectuadas e em entrevistas a banqueiros, executivos e traders, a responsabilidade da maior parte da «especulação» é dos gestores de activos tradicionais, bancos e directores financeiros de grandes empresas, não à procura de lucro rápido e fácil mas para sua própria protecção. Entre estes operadores encontram-se algumas surpresas, a maior das quais poderá ser o banco público dos correios gregos que comprou CDS para proteger as suas obrigações do tesouro grego ou a seguradora francesa Axa que vendeu a dívida grega para proteger os seus activos sob gestão. Outro exemplo, provavelmente menos surpreendente para os fiéis das teses especulativas e conspiratórias, é o da Coca-Cola que apostou no enfraquecimento do euro para proteger o valor em dólares das suas vendas em euros nas operações europeias.

Uma variação das teorias especulativas é a do suposto interesse americano no enfraquecimento do euro aproveitando (e alimentando, segundo alguns delírios) a crescente percepção do risco grego (ver gráfico abaixo). É bastante duvidoso que as empresas americanas que têm sucursais na Zona Euro, e a maior parte das majors têm-nas, tenham interesse em diminuir os seus proveitos europeus, como é bastante duvidoso que as empresas que exportam para a Zona Euro tenham em interesse num dólar valorizado que torna as suas exportações menos competitivas.

O que não restam dúvidas é que a tragédia grega está a afectar o euro e que aumentará a pressão para o bailout político da Grécia baseado em considerações de curto prazo. Bailout que a ter lugar criará um precedente que aumentará a prazo o risco da própria Grécia e dos fregueses que lhe seguem e porá em causa talvez irremediavelmente a Zona Euro tal como a conhecemos.

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