28/10/2007

CASE STUDY: uma carta já não é o que era

Demonstrando que o real neste país ultrapassa a ficção, foi ontem publicada no Expresso uma carta estritamente confidencial em mão do engenheiro Jardim Gonçalves ao seu sucessor doutor Filipe Pinhal. A carta termina com este patético apelo: «pedia-lhe, por fim, que, atendendo às razões de consciência e do foro exclusivamente privado do compromisso que agora assumo (de pagar as dívidas do seu filho ao banco), fossem tomadas as medidas necessárias para acautelar a confidencialidade deste pagamento».

Por muito assombroso que seja o seu conteúdo (que parece evidenciar que, contra tudo o que seria de esperar dum membro da Obra, o seu signatário não fala com o seu filho Filipe faz anos), mais assombrosas são as vicissitudes que a carta estritamente confidencial em mão sofreu no curto percurso que vai desde o gabinete do engenheiro Jardim Gonçalves até ao do seu destinatário.

Ainda pensei acrescentar um novo termo ao Glossário das Impertinências, mas talvez não se justifique se a carta estritamente confidencial em mão do engenheiro Jardim Gonçalves for afinal uma carta aberta, como a defini em tempos aqui, a propósito duma missiva do incontornável professor doutor Freitas do Amaral dirigida ao presidente da República através dos jornais:
É uma contradição nos termos. Uma carta é fechada. Uma carta que é aberta, não é fechada (=>La Palice). É, pois, uma carta que não é uma carta. É uma circular que tem como destinatários reais toda a gente menos o destinatário formal. É também uma grande falta de vergonha de quem a escreve, ao divulgar os seus termos por terceiros, muitas vezes antes do destinatário a conhecer, sem cuidar de saber se autorizaria. É, em suma, um insulto à inteligência de todos os seus destinatários.

Sem comentários:

Enviar um comentário