15/04/2022

QUEM SÓ TEM UM MARTELO VÊ TODOS OS PROBLEMAS COMO PREGOS: O alívio quantitativo aliviará? (72) Unintended consequences (XXIV)

Outras marteladas.

Recapitulando:

O intervencionismo do BCE, que copiou com atraso a Fed e o BoE, adoptando o alívio quantitativo e as taxas de juro negativas ou nulas, desde o «whatever it takes» do Super Mario de Julho de 2012, é parecido como terapêutica com a sangria dos pacientes praticada pela medicina medieval para tratar qualquer doença, incluindo a anemia.

As raras vozes dissonantes (temos citado algumas delas) não têm chegado para perturbar e muito menos abafar os salmos cantados pelo coro imenso dos prosélitos louvando a bondade das políticas de injecção de dinheiro e de juros artificialmente baixos dos bancos centrais. Mais recentemente, Charles Goodhart, professor emérito na LSE, chamou a atenção para o risco de estagnação com inflação elevada em resultado das políticas dos bancos centrais e no Portugal dos Pequeninos o presidente da CMVM alertou em Novembro do ano passado para a bolha em formação.

As políticas de alívio quantitativo dos bancos centrais tiveram várias consequências indesejadas, que venho referindo desde Setembro de 2014, mas até ao ano passado não tiveram efeitos muito significativos na inflação.

Foi o ano passado que esses efeitos na inflação se começaram a sentir mais fortemente porque coexistindo com alívio quantitativo dos bancos centrais, os governos começaram a despejar estímulos fiscais relacionados com as ajudas no contexto da pandemia (ver diagrama seguinte).  

A esses efeitos fiscais veio juntar-se a escassez da oferta de mão-de-obra, sobretudo nos EUA, que veio aumentar os salários após vários anos de estagnação e de perda de poder de compra. As rupturas das cadeias de distribuição resultantes da pandemia e das medidas para a combater vieram adicionar-se aos factores inflacionários. Ainda assim, o wishful thinking era de rigor e quase toda a gente, a começar pelo BCE, garantia que a inflação era um fenómeno transitório. Toda a gente? Não. Já em Novembro do ano passado Jerome Powell considerou que «it’s probably a good time to retire that word (transitory) and try to explain more clearly what we mean».

Isso foi antes da invasão da Ucrânia, cujas consequências estão a potenciar todos os factores inflacionários já referidos. Tudo isso em cima de quantidades gigantescas de dinheiro injectado nas economias pelas políticas dos bancos centrais desde 2008 a Fed, 2009 o BoE e 2012 o BCE vai transformar o fenómeno transitório num fenómeno duradouro, desta vez com pelo menos algumas das economias a estagnarem. Não pode acabar bem.

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