16/07/2019

Mitos (291) - Diferenças salariais entre homens e mulheres (7) - «Quem acha que as mulheres devem ganhar mais, deve sintonizar sempre que pode a televisão para ver os jogos femininos»

Outros mitos: (1), (2), (3), (4), (5) e (6)

Este é um dos temas que mais se presta à demagogia e desonestidade intelectual que alimentam as ondas de indignação propagadas pelas redes sociais nas mentes fracas e pouco propensas à racionalidade. O texto que se segue é um exemplo, infelizmente raro, de uma abordagem séria do tema do equal pay no futebol.

«A liga inglesa de futebol partilha os direitos televisivos entre clubes, o que leva a que mesmo clubes do fundo da tabela possam vir comprar os melhores jogadores do Benfica ou do Porto. Podemos achar que isto é justo (ou não) da mesma forma que achamos que os portugueses ricos devem pagar muitos impostos (embora sejam mais pobres do que os ricos ingleses que pagam menos impostos) e os portugueses pobres receber subsídios. Mas ninguém de bom senso acha que a redistribuição fiscal deve ser tão intensa que ponha todos a ganhar o mesmo em Portugal depois de impostos.
Olhando antes para a fonte da discrepância salarial, ela está nos direitos televisivos. A imprensa britânica fez grande eco das audiências televisivas recorde neste campeonato do mundo. Quando a Inglaterra jogou contra os EUA na meia-final há dez dias, teve 11,7 milhões de espectadores, quando a final da Liga dos Campeões entre Liverpool e Tottenham só teve 11,3 milhões de espectadores. No entanto, novamente está-se a comparar bananas com maçãs. A comparação deve ser com a meia-final que a seleção inglesa jogou contra a Croácia há 12 meses no campeonato do mundo masculino. Esse jogo foi visto em média por 24,2 milhões de telespectadores.

Embora o futebol feminino e masculino sejam desportos diferentes, eles competem pelos mesmos espaços e anunciantes na televisão. Quem acha que as mulheres devem ganhar mais, deve sintonizar sempre que pode a televisão para ver os jogos femininos. Em Portugal, a esmagadora maioria dos espectadores dos canais s de desporto são homens, e eles parecem preferir ver jogos com homens. Uma campanha feminista eficaz seria as mulheres usarem o seu poder de compra para subscreverem canais desportivos e exigirem ver jogos com mulheres.
Voltando às americanas, elas até ganharam mais dinheiro no ano passado do que os americanos. A sua queixa contra a Federação vem de os prémios por vitória ou golo serem mais pequenos, pelo que se a seleção masculina ganhasse tanto como elas ganham, seria muito mais bem recompensada. Pela terceira vez, a comparação é enganosa. Cada jogador da seleção masculina recebe prémios por convocatória e por vitória. As jogadoras antes recebem um salário todos os meses, joguem ou não, acrescido dos prémios. São contratos diferentes. A razão para a diferença é que enquanto os homens ganham salário nos seus clubes da MLS, não há uma liga feminina com clubes que paguem bem.

Há razões legítimas para as fenomenais jogadoras americanas de futebol ganharem menos do que os seus medíocres colegas masculinos. Isso não quer dizer que sejam boas razões. Mas diagnosticar a fonte das diferenças corretamente é crucial para mudar a situação. Gritar discriminação não chega.
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Excerto de «Futebol para elas», Ricardo Reis no Expresso

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