Outras avarias da geringonça.
Como na crónica anterior, comecemos pela celebração da saída do lixo que para Costa representa «a viragem da página da austeridade» e acrescentemos um pormenor convenientemente omitido: Passos Coelho cancelou em 2014 o contrato com a Standard & Poor's pelo que esta agência deixou desde então de poder facturar ao governo português as notações que vem atribuindo à dívida portuguesa; não obstante, a S&P antecipou-se apressadamente à Fitcht e à Moody's no upgrade da notação.
Confirmando a reclamação do PS de que as suas políticas criam mais emprego, ficámos a saber pelo jornal SOL que, até agora, o governo socialista nomeou 1.439 boys como assessores ou adjuntos, batendo irremediavelmente o governo neoliberal que por esta altura tinha pouco mais de um terço. A procura tem sido tão intensa que está a ser difícil encontrarboys com canudo. Só na Protecção Civil, além do seu presidente que obteve uma licenciatura pelo método Relvas e se demitiu recentemente, há mais dois comandantes com licenciaturas suspeitas de irregularidades.
«Governo não faz finca-pé no nome de Mário Centeno», titula o semanário de reverência, que tem acesso até aos relatórios secretos dos serviços de informações militares, relatórios que segundo Costa não existem. Depois de todo o spin que durou vários meses para elevar ao olimpo de Bruxelas o Ronaldo das Finanças, ou o Alquimista, balão que começou a esvaziar há dias, o jornalês de reverência do título deve traduzir-se assim: «governo percebe que já ninguém acredita que Centeno tenha tido hipóteses».
Se o Ronaldo subir a Bruxelas será uma vocação que não se cumpre, vocação que ficou outra vez exemplificada com a chico-esperteza de anunciar uma redução geral do IRS para acabar por ter de admitir que os escalões mais altos ficavam na mesma, desaparecendo a sobretaxa cujo desaparecimento era para ter sido desde Janeiro de 2016 e vem sendo adiado e será um dia ninguém sabe quando.
E, por falar nas Finanças, admito com Helena Garrido que a reforma do modelo de supervisão financeira anunciada pelo Ronaldo conduza à «governamentalização das funções de supervisão e das decisões de intervenção no sistema financeiro». E todos sabemos o resultado das governamentalizações.
A pretexto do arredondamento feito pelo INE do crescimento homólogo do 2.º trimestre de 2,9% para 3%, as velas da geringonça e do presidente dos Afectos («eu não disse!») voltaram a enfunar. Convirá acrescentar que se está a comparar um 2.º trimestre de 2017 que em relação ao trimestre anterior só cresceu 0,3%, a taxa mais baixa da Zona Euro, com um 2.º trimestre de 2016 que apenas cresceu 0,2%.
E convirá ter em conta que, ainda assim e contrariamente às teses da geringonça que poriam o consumo incrementado pelo «fim da austeridade» a puxar pela economia, as exportações e não o consumo têm tido o maior contributo para o crescimento: 0,9% contra 0,5% o ano passado e 1,8% contra 0,8% este ano (estimativas de João Duque no Expresso). Isto apesar do aumento de 3,7% das vendas de bens de grande consumo que fazem os portugueses entrar para o top 5 europeu desta modalidade.
Mesmo com as exportações a puxar pela economia, chegará uma altura em que a crónica falta de investimento e a descapitalização das empresas porá entraves ao crescimento. Ao mesmo tempo que a banca, que apenas têm provisionado metade do crédito malparado (Sarsfield Cabral no jornal SOL), precisará de se recapitalizar de facto e não apenas trabalhar para os rácios do BCE, até porque o seu funding no que respeita aos particulares está cada vez mais comprometido, uma vez que a poupança das famílias está nos mínimos desde 1999 (3,8% do rendimento no 1.º trimestre).
Vai-nos salvando o turismo (que devemos agradecer ao Estado Islâmico) que só no que respeita ao alojamento local, uma actividade que a esquerdalhada está impaciente por afogar, na região metropolitana de Lisboa teve um impacto directo de 286 milhões na economia e 550 milhões de gastos dos turistas.
Por isso respondo «de todo» à pergunta «estaremos hoje melhor preparados para enfrentar a próxima crise mundial?» de Ricardo Arroja, em vez da sua resposta «nem por isso» pelas razões que ele refere e por outras.
Se Costa com o seu paleio enganador consegue mistificar uma opinião infantilizada por uns mídia amestrados e sedada por uma ilusória prosperidade, a estranja não vai na cantiga. Leiam-se os três artigos citados e comentados aqui da Bloomberg e do FT ou leia-se o relatório do Commerzbank (fonte) que considera ser «um erro fingir que o país encontrou uma solução duradoura para os seus problemas» e que «a competitividade ganha nos últimos anos já está a ser prejudicada pelas políticas (que fazem com que Portugal esteja a) voltar à tendência pouco saudável que só foi interrompida momentaneamente pela crise financeira.
Bem pode o Ronaldo das Finanças comprometer-se à «maior redução da dívida nacional em 19 anos» e o seu adjunto Mourinho Félix (o mesmo que segundo o jornal SOL já deu guarida na sua equipa a 42 boys) garantir que «a dívida vai dar um trambolhão» que só convencem os crentes. Em primeiro lugar porque, como a dívida não pára de crescer há 43 anos, não deve ser difícil conseguir a maior redução em 19 anos. Em segundo lugar porque a dívida já deu no passado alguns trambolhões e voltou a recompor-se como se nada fosse. Entretanto, a semana passada lá foram emitidos mais 1,75 mil milhões a prazos de 6 meses e 12 meses para tirar partido das taxas negativa nos prazos curtos.
A falta de fé na redução da dívida resulta desde para começar no facto de, ao contrário do défice, que é e tem sido muito mais facilmente manipulável pela engenharia orçamental socialista, a dívida é mais difícil de esconder debaixo do tapete, agora que o Eurostat tem o perímetro das Administrações Públicas melhor definido. Exemplo: ainda se discute se a capitalização da Caixa vai ou não contar para o défice, capitalização que foi feita à custa do aumento da dívida. E a propósito, vejam-se as diligências que o governo está a tentar para convencer o Eurostat a não incluir no défice essa capitalização, o que a acontecer atiraria o défice para cima dos 3% do PIB, arriando assim uma das bandeiras do governo que ainda agora anunciou ufano um défice de 1,9% no 1.º semestre. Repare-se que o mesmo governo de Costa não mexeu um dedo para evitar que o resgate do Banif, resolvido num fim de semana, contasse para o défice de 2015 que foi à conta do governo de Passos Coelho.
Contudo, até mesmo a engenharia orçamental socialista terá cada vez mais dificuldade em manter o défice artificialmente baixo quando, a somar aos vários milhares de novos utentes da vaca marsupial pública já contratados, se prepara para abrir concurso para mais 950 polícias e guardas da GNR a adicionar aos 400 guardas prisionais que foram admitidos em Maio.
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