25/09/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (102)

Outras avarias da geringonça.

Como na crónica anterior, comecemos pela celebração da saída do lixo que para Costa representa «a viragem da página da austeridade» e acrescentemos um pormenor convenientemente omitido: Passos Coelho cancelou em 2014 o contrato com a Standard & Poor's pelo que esta agência deixou desde então de poder facturar ao governo português as notações que vem atribuindo à dívida portuguesa; não obstante, a S&P antecipou-se apressadamente à Fitcht e à Moody's no upgrade da notação.

Confirmando a reclamação do PS de que as suas políticas criam mais emprego, ficámos a saber pelo jornal SOL que, até agora, o governo socialista nomeou 1.439 boys como assessores ou adjuntos, batendo irremediavelmente o governo neoliberal que por esta altura tinha pouco mais de um terço. A procura tem sido tão intensa que está a ser difícil encontrarboys com canudo. Só na Protecção Civil, além do seu presidente que obteve uma licenciatura pelo método Relvas e se demitiu recentemente, há mais dois comandantes com licenciaturas suspeitas de irregularidades.

«Governo não faz finca-pé no nome de Mário Centeno», titula o semanário de reverência, que tem acesso até aos relatórios secretos dos serviços de informações militares, relatórios que segundo Costa não existem. Depois de todo o spin que durou vários meses para elevar ao olimpo de Bruxelas o Ronaldo das Finanças, ou o Alquimista, balão que começou a esvaziar há dias, o jornalês de reverência do título deve traduzir-se assim: «governo percebe que já ninguém acredita que Centeno tenha tido hipóteses».

Se o Ronaldo subir a Bruxelas será uma vocação que não se cumpre, vocação que ficou outra vez exemplificada com a chico-esperteza de anunciar uma redução geral do IRS para acabar por ter de admitir que os escalões mais altos ficavam na mesma, desaparecendo a sobretaxa cujo desaparecimento era para ter sido desde Janeiro de 2016 e vem sendo adiado e será um dia ninguém sabe quando.

E, por falar nas Finanças, admito com Helena Garrido que a reforma do modelo de supervisão financeira anunciada pelo Ronaldo conduza à «governamentalização das funções de supervisão e das decisões de intervenção no sistema financeiro». E todos sabemos o resultado das governamentalizações.

A pretexto do arredondamento feito pelo INE do crescimento homólogo do 2.º trimestre de 2,9% para 3%, as velas da geringonça e do presidente dos Afectos («eu não disse!») voltaram a enfunar. Convirá acrescentar que se está a comparar um 2.º trimestre de 2017 que em relação ao trimestre anterior só cresceu 0,3%, a taxa mais baixa da Zona Euro, com um 2.º trimestre de 2016 que apenas cresceu 0,2%.

E convirá ter em conta que, ainda assim e contrariamente às teses da geringonça que poriam o consumo incrementado pelo «fim da austeridade» a puxar pela economia, as exportações e não o consumo têm tido o maior contributo para o crescimento: 0,9% contra 0,5% o ano passado e 1,8% contra 0,8% este ano (estimativas de João Duque no Expresso). Isto apesar do aumento de 3,7% das vendas de bens de grande consumo que fazem os portugueses entrar para o top 5 europeu desta modalidade.

Mesmo com as exportações a puxar pela economia, chegará uma altura em que a crónica falta de investimento e a descapitalização das empresas porá entraves ao crescimento. Ao mesmo tempo que a banca, que apenas têm provisionado metade do crédito malparado (Sarsfield Cabral no jornal SOL), precisará de se recapitalizar de facto e não apenas trabalhar para os rácios do BCE, até porque o seu funding no que respeita aos particulares está cada vez mais comprometido, uma vez que a poupança das famílias está nos mínimos desde 1999 (3,8% do rendimento no 1.º trimestre).

Vai-nos salvando o turismo (que devemos agradecer ao Estado Islâmico) que só no que respeita ao alojamento local, uma actividade que a esquerdalhada está impaciente por afogar, na região metropolitana de Lisboa teve um impacto directo de 286 milhões na economia e 550 milhões de gastos dos turistas.

Por isso respondo «de todo» à pergunta «estaremos hoje melhor preparados para enfrentar a próxima crise mundial?» de Ricardo Arroja, em vez da sua resposta «nem por isso» pelas razões que ele refere e por outras.

Se Costa com o seu paleio enganador consegue mistificar uma opinião infantilizada por uns mídia amestrados e sedada por uma ilusória prosperidade, a estranja não vai na cantiga. Leiam-se os três artigos citados e comentados aqui da Bloomberg e do FT ou leia-se o relatório do Commerzbank (fonte) que considera ser «um erro fingir que o país encontrou uma solução duradoura para os seus problemas» e que «a competitividade ganha nos últimos anos já está a ser prejudicada pelas políticas (que fazem com que Portugal esteja a) voltar à tendência pouco saudável que só foi interrompida momentaneamente pela crise financeira.

Bem pode o Ronaldo das Finanças comprometer-se à «maior redução da dívida nacional em 19 anos»  e o seu adjunto Mourinho Félix (o mesmo que segundo o jornal SOL já deu guarida na sua equipa a 42 boys) garantir que «a dívida vai dar um trambolhão» que só convencem os crentes. Em primeiro lugar porque, como a dívida não pára de crescer há 43 anos, não deve ser difícil conseguir a maior redução em 19 anos. Em segundo lugar porque a dívida já deu no passado alguns trambolhões e voltou a recompor-se como se nada fosse. Entretanto, a semana passada lá foram emitidos mais 1,75 mil milhões a prazos de 6 meses e 12 meses para tirar partido das taxas negativa nos prazos curtos.

A falta de fé na redução da dívida resulta desde para começar no facto de, ao contrário do défice, que é e tem sido muito mais facilmente manipulável pela engenharia orçamental socialista, a dívida é mais difícil de esconder debaixo do tapete, agora que o Eurostat tem o perímetro das Administrações Públicas melhor definido. Exemplo: ainda se discute se a capitalização da Caixa vai ou não contar para o défice, capitalização que foi feita à custa do aumento da dívida. E a propósito, vejam-se as diligências que o governo está a tentar para convencer o Eurostat a não incluir no défice essa capitalização, o que a acontecer atiraria o défice para cima dos 3% do PIB, arriando assim uma das bandeiras do governo que ainda agora anunciou ufano um défice de 1,9% no 1.º semestre. Repare-se que o mesmo governo de Costa não mexeu um dedo para evitar que o resgate do Banif, resolvido num fim de semana, contasse para o défice de 2015 que foi à conta do governo de Passos Coelho.

Contudo, até mesmo a engenharia orçamental socialista terá cada vez mais dificuldade em manter o défice artificialmente baixo quando, a somar aos vários milhares de novos utentes da vaca marsupial pública já contratados, se prepara para abrir concurso para mais 950 polícias e guardas da GNR a adicionar aos 400 guardas prisionais que foram admitidos em Maio.

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