«Não é a primeira vez que escrevo sobre este assunto. E a julgar pelo número de heróis anti-Salgado que surgem hoje publicamente é muito provável que não seja a última.
Quando o Banco de Portugal (BdP) iniciou o seu processo de investigação ao Banco Espírito Santo não tinha os elementos legais para derrubar Ricardo Salgado, por muitas que fossem as suspeitas ou até evidencias de que as coisas estavam muito piores do que se imaginava. Mas o grande obstáculo à atuação do Banco de Portugal era muito mais do que legal. Era uma parede construída pelo poder do então Dono Disto Tudo.
Hoje é fácil atacar Ricardo Salgado. Na altura não só era difícil poucos ousavam criticar publicamente o GES. E não estou só a falar dos líderes de opinião que se mantiveram fiéis a Salgado quase até ao fim, como foi o caso de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas também de muitos banqueiros que, à semelhança de outros casos como o do BPN, se mantiveram calados até o escândalo rebentar.
Não eram só algumas pessoas. Era toda uma economia assente nos braços fortes do Grupo Espírito Santo e da sua capacidade de Influência. Com destaque para o poder político dos partidos do centro.
A primeira notícia publicada sobre o elevado endividamento do GES e de como este era suportado pela atividade do BES foi escrita pelo Expresso em setembro de 2013. E na altura não conseguimos fazer um título para além de "ESAF tem de realocar 1,7 mil milhões de euros" (pode ler aqui). Isto porque as repostas que obtivemos da CMVM, o supervisor competente para o efeito já que se estava a falar de fundos de investimento, foi de que as regras iam ser mudadas para "assegurar o princípio de diversificação do risco dos organismos de investimento coletivo" e garantir "uma gestão eficiente e centrada no interesse exclusivo dos participantes, com maior independência face ao grupo económico em que a entidade gestora se insere". Sobre o mesmo assunto o BdP disse que concordava com as mudanças e que estava a acompanhar o ajustamento das carteiras às novas regras.
Para fazer o artigo falámos com vários banqueiros, todos eles achavam estranho os montantes elevados concentrados em dívida de empresas da família Espírito Santo mas nenhum nos disse que achava que o grupo estava falido. Aliás, quase todos eles tinham comprado dívida do GES ou a vendiam aos seus clientes.
Hoje, a imagem que alguns querem fazer crer é a de que sabiam de tudo há muito tempo. Pois se sabiam nada fizeram para alterar essa situação. E não o fizeram ou porque não sabiam da verdadeira extensão do problema, ou porque tinham medo do que poderia vir da exposição pública da situação financeira do GES. E até entendo que o medo do impacto que poderia ter a queda do grupo os tivesse ficado calados. Mas já não há desculpas para quem continuava a vender esses produtos ou até para quem acabou de perder dinheiro no GES. E nem uma das fontes do sector contactadas pelo Expresso nessa investigação nos falou em contas forjadas ou passivos escondidos, até o Expresso falar nisso.
Para o fim a cereja em cima do bolo. Os partidos mais à esquerda são conhecidos pelo ódio que têm aos banqueiros. Para esses não deve haver banca que não seja pública, pelo que cada vez que cai um banqueiro devem deitar foguetes. E se alguém derrubou o banqueiro português com mais poder foi o Banco de Portugal, só que em vez de lhe erigirem uma estátua pedem a demissão do governador por aquilo que ele não fez. Ou seja, por não ter tirado Salgado mais cedo, mesmo que isso fosse comprovadamente impossível de fazer. Hoje, com toda a informação que existe, todos gostávamos que tivesse sido mais rápido, mas na altura a realidade era muito diferente. Mas pelo menos este ódio da esquerda radical a Carlos Costa e ao Banco de Portugal é coerente com aquilo que acreditam.
O que não faz sentido é o ataque do Governo encabeçado por Mário Centeno. As relações entre o governador e o ministro das Finanças estão longe de ser amigáveis desde o dia em que Centeno foi preterido na escolha para liderar o gabinete de estudos do Banco de Portugal. Duvido que estejamos perante uma mera vingança pessoal, mas se esse for o caso então Centeno está totalmente errado. Se Carlos Costa, contra a indicação do júri então liderado por Rui Vilar, tivesse dado o cargo a Centeno, este muito provavelmente não seria hoje ministro das Finanças. Irónico não? A não ser que as motivações do Governo sejam outras....»
João Vieira Pereira no Expresso Diário
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