03/11/2016

Mitos (243) – A notícia da bancarrota camuflada do Deutsche Bank é bastante exagerada (II)

Continuação de (I).

A pretexto dos comentários de Wolfgang Schäuble, ministro alemão das Finanças, criticando os desvarios de geringonça, voltaram ao topo da agenda do jornalismo doméstico de causas domésticas as teorias da conspiração que se dividem em dois tipos: (1) Schäuble tem o propósito contumaz de interferir na política doméstica favorecendo a oposição e (2) Schäuble fala de Portugal para desviar a atenção das desgraças do Deutsche Bank (DB). Citando um exemplo notável: o do pastorinho Nicolau Santos e da sua cabala dos Quatro Pérfidos Alemães que combina as duas teorias.

A teoria (1) tem algum poder explicativo, sobretudo para mentes simples, porque, de facto, Schäuble com as suas declarações interferiu na política doméstica, contra as regras consuetudinárias da relação entre países amigos. Contudo, Schäuble não é suficientemente tolo para se obstinar com o Portugal dos Pequeninos, pendurado lá na ponta da Europa. Provavelmente, em vez disso, Schäuble está obstinado com os contribuintes alemães com que conta para o CDU ganhar as próximas eleições, os quais estão cada vez menos inclinados a socorrer os desvarios dos socialismos exóticos.

Quanto à teoria (2) também explica pouco. Em primeiro lugar, porque o governo alemão já deu sinais de que, se houver resolução, serão cumpridas as regras e não haverá dinheiro público para salvar o DB. Em segundo lugar, porque as notícias de que o DB precisará de ser salvo são no mínimo um pouco precipitadas.

De facto, os problemas do DB são bastante diferentes dos nossos bancos, em particular da Caixa. A carteira de crédito é de boa qualidade e, para começar, os seus problemas residem numa parte dos activos de natureza especulativa (level 3 assets) difíceis de valorizar mark to market. Ainda assim, apesar de atingirem uma proporção excessiva do capitalização bolsista, essa proporção não é muito diferente de outros megabancos europeus como o Credit Suisse e o Barclays (ver o diagrama neste artigo do FT). Os outros problemas são uma alavancagem excessiva, uma estrutura de custos pesada, sobretudo na Alemanha, e recentemente uma multa mastodôntica do DoJ americano que pode atingir 14 mil milhões de dólares.

Apesar desses problemas, é indispensável colocá-los em perspectiva quando se sabe que o DB passou os testes de stress do BCE (ver «Deutsche Bank Fares Better in EBA Stress Test Than in 2014»), tem activos líquidos totais de € 1.200 milhares de milhões, dos quais 16% activos de elevada qualidade, e reservas de liquidez de € 233 milhares de milhões e um rácio de cobertura de liquidez (124%) superior à maioria dos megabancos europeus e até do Citigroup (121%) (ver este artigo do MarketWatch) e teve um lucro líquido de € 278 milhões no 3.º trimestre.

De resto, se considerarmos o DB em maus lençóis, em termos comparativos vários outros bancos europeus estarão em risco, a começar pelo Santander (considerado em Portugal, com razão, um banco solvente) que tem um rácio de capital tier-one ligeiramente inferior ao do DB (ver o diagrama neste artigo da Economist ou neste do FT).

Nesse caso, pergunta-se, como compreender o histerismo da comentadoria económica-financeira que, em vez de se concentrar no problema Caixa, constrói teorias da conspiração masturba-se há meses com uma Caixa que não passou nos testes de stress do BCE, com activos líquidos de 100 mil milhões (8% do DB), durante anos com um rácio de cobertura de liquidez inferior a 100% (recentemente aumentou para 120%), um rácio de capital tier-one inferior a 10%, que perde dinheiro nos últimos 9 anos e, muito provavelmente, com contas maquilhadas onde não registou todas as imparidades (por exemplo as de La Seda)?

Para responder, é a minha vez de ter uma teoria. Uma não, duas. Uma geral e outra particular, a saber: (1) «os complexos de inferioridade dos portugueses e a consequente necessidade de imaginarem que têm os olhos do mundo postos em si» («uma característica muito peculiar dos portugueses» escreve Vasco Pulido Valente, sempre à procura do «português no topo do mundo»);  (2) uma inextricável mistura de ignorância e desonestidade intelectual que aflige a comentadoria e o jornalismo de causas.

Chegado aqui, pergunto-me: então o DB não está em risco? Está sim, senhor. Há uma probabilidade de se afundar. Quem não está em risco de se afundar é a comentadoria e o jornalismo de causas domésticos. Há muito uma e outro estão irremediavelmente afundados.

1 comentário:

  1. Segundo alguns, os comentários do ministro alemão teriam a intenção de fazer subir a taxa de juro no mercado secundário das obrigações da república para mais tarde vir a ser precisa nova intervenção europeia.
    E aí, o ministro alemão teria novamente de abrir os cordões à bolsa, coisa para a qual não deve estar muito interessado e o eleitorado muito menos.

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