Outros excertos.
Mais um excerto de outra das crónicas, compiladas em «De mal a pior» (D. Quixote), de Vasco Pulido Valente, o último dos queirozianos, não no estilo mas na substância, com a sua visão lúcida, por vezes vitriólica, deste Portugal de mentes pequeninas e elites medíocres.
Como dizia o outro, o género humano não suporta demasiada realidade. Ainda
por cima, nesse ponto, as coisas pioraram. O Estado-providência
transformou o cidadão vulgar num quase absoluto irresponsável
e os dirigentes da democracia fazem uma carreira de lhe mentir.
Um adulto europeu espera, no mínimo, o seguinte: que o Estado
lhe eduque os filhos, que o Estado o trate na doença e que o
Estado lhe dê uma pensão para uma velhice decente e próspera.
E espera também trabalhar pouco (em França, 35 horas por semana),
um aumento de salário no fim do ano, que lhe paguem as
férias, que lhe garantam o emprego e, muitas vezes, que lhe dêem
uma casa ou uma renda barata. Só que esta fantasia, que assentava
no domínio universal do Ocidente, na miséria da Ásia e na escravidão
da Europa oriental, acabou - e acabou para sempre. Não
serve de nada pôr um remendo aqui e um remendo ali. Mais tarde
ou mais cedo, o edifício vem abaixo. E não virá abaixo em concórdia
e paz. Nenhum regime político resiste à impotência e o que
hoje têm de comum os governos da Europa, na Alemanha como
em França, em Itália como em Portugal, é manifestamente a impotência.
Da fraqueza não sai a ordem; e o inconcebível acontece.»
O inconcebível acontece, 23-09-2005
Sem comentários:
Enviar um comentário