03/11/2016

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: O Portugal dos Pequeninos visto pelo último dos queirozianos (6)

Outros excertos.

Mais um excerto de outra das crónicas, compiladas em «De mal a pior» (D. Quixote), de Vasco Pulido Valente, o último dos queirozianos, não no estilo mas na substância, com a sua visão lúcida, por vezes vitriólica, deste Portugal de mentes pequeninas e elites medíocres.

Como dizia o outro, o género humano não suporta demasiada realidade. Ainda por cima, nesse ponto, as coisas pioraram. O Estado-providência transformou o cidadão vulgar num quase absoluto irresponsável e os dirigentes da democracia fazem uma carreira de lhe mentir. 

Um adulto europeu espera, no mínimo, o seguinte: que o Estado lhe eduque os filhos, que o Estado o trate na doença e que o Estado lhe dê uma pensão para uma velhice decente e próspera. E espera também trabalhar pouco (em França, 35 horas por semana), um aumento de salário no fim do ano, que lhe paguem as férias, que lhe garantam o emprego e, muitas vezes, que lhe dêem uma casa ou uma renda barata. Só que esta fantasia, que assentava no domínio universal do Ocidente, na miséria da Ásia e na escravidão da Europa oriental, acabou - e acabou para sempre. Não serve de nada pôr um remendo aqui e um remendo ali. Mais tarde ou mais cedo, o edifício vem abaixo. E não virá abaixo em concórdia e paz. Nenhum regime político resiste à impotência e o que hoje têm de comum os governos da Europa, na Alemanha como em França, em Itália como em Portugal, é manifestamente a impotência. Da fraqueza não sai a ordem; e o inconcebível acontece

O inconcebível acontece, 23-09-2005

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