[Uma espécie de continuação de «Too big to fail» - another financial volcanic eruption in the making (1) e (2) e de «Da próxima vez também...» (1) e (2)]
Para não citar outras razões, o sector segurador costumava ser capaz de lidar muito melhor com o risco do que a banca porque o seguro é na essência um negócio de risco - como um casino, já agora. É claro que existem, desde há umas 3 décadas, produtos financeiros do ramo Vida que são uma espécie de produtos bancários com características próprias do seguro incorporadas no que respeita à garantia de capital e/ou rentabilidade e ao vencimento antecipado no caso de morte.
Diferentemente, na banca, o negócio não é o risco, é a evitação do risco porque o risco de crédito é meramente acessório e um banco ganha dinheiro a emprestá-lo e não a aceitar para si a transferência do risco dos clientes, salvo nas garantias bancárias que são assimiláveis e substituíveis por um seguro de caução e constituem um negócio marginal para os bancos.
Daí que sendo o risco historicamente o negócio do seguro, as seguradoras estão melhor apetrechadas, dispõem de recursos humanos, know-how e ferramentas de análise que as capacitam a gerir os riscos em condições mais favoráveis do que os bancos.
Só que, como se viu com a quase falência da AIG, as fronteiras entre os dois negócios são por vezes confundidas, com grande gáudio dos ignorantes pensando ser isso um progresso. Um dos resultados dessa confusão foi a crise que começou por ser do crédito hipotecário americano subprime (recorde-se neste vídeo uma das mais divertidas análises da génese dessa crise) e acabou numa crise mundial de proporções bíblicas. Note-se que o «empacotamento» das hipotecas e a subsequente transferência do risco de crédito de uns bancos para outros, através de um mecanismo semelhante ao resseguro, acabou a espalhar esse risco um pouco por quase todo o mundo – incluindo maciçamente para seguradoras como a AIG.
Porém, a contaminação entre negócio segurador e negócio bancário não tem um só sentido. Há cerca de 20 anos começaram a ser usados veículos não convencionais de transferência do risco das seguradoras. Durante séculos, essa transferência tinha lugar exclusivamente dos seguradores para os resseguradores que são operadores especializados - seguradores dos seguradores - através de contratos de resseguro.
É aqui que entram, entre outras formas alternativas de resseguro que «empacotam» riscos de natureza catastrófica (por exemplo sismos e furacões), as chamadas Catastrophe bonds ou cat bonds cujo valor total atinge actualmente quase 600 mil milhões de dólares. Simplificadamente: um segurador emite, através de um banco de investimento, obrigações com maturidades geralmente de 3 a 5 anos as quais são vendidas a investidores (por exemplo fundos de investimento); não ocorrendo catástrofe, o segurador pagará o cupão e reembolsará o capital; caso contrário, o capital não será total ou parcialmente reembolsado sendo usado pelo segurador para pagar indemnizações por danos sofridos pelos seus segurados em consequência da catástrofe.
Chegados aqui, podemos ler com proveito o artigo do Financial Times «Catastrophe deals threaten reinsurance sector ‘collapse’» que cita um estudo do sector de resseguro onde «a team of business school academics has found that some companies are now packaging together catastrophe risks in a similar way to the carving up of subprime mortgages by big banks before the financial crisis». Não por acaso, e de forma semelhante ao que se passou com os pacotes das hipotecas subprime, «mainstream insurers were potentially spreading risks to parties that did not fully understand them».
Em conclusão, «as a result, the victims of a costly catastrophe – such as an earthquake or storm that destroys large areas – could run into problems having their insurance claims paid». Podemos agora rever, mutatis mutandis, o vídeo «The Last Laugh».
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