04/03/2015

DIÁRIO DE BORDO: Passos Coelho não pode alegar ignorância e os seus detractores também não

Sobre a saga das contribuições de Passos Coelho para a Segurança Social, começo por concordar com o próprio quando diz que «não é um cidadão perfeito». E a este respeito não vale a pena tapar o sol com uma peneira nem elaborar muito sobre a coisa: PPC não pode aproveitar-se da sua alegada ignorância da lei. Até pelo seu background como político e profissional tinha obrigação de saber que deveria contribuir e, não o fazendo, cometeu uma falta objectivamente censurável e lidou mal com assunto e piorou tudo.

Ainda assim, é muito pouco provável que o tenha feito deliberadamente, quer pela modéstia dos montantes em causa, quer pelo facto de, ainda que fosse estúpido, perceberia que, como político, seria escrutinado e dificilmente essa falha deixaria de ser desenterrada como veio a ser.

Contudo, sendo censurável, numa escala de censura de 1 a 10 essa falta corresponderia a 1 ou 2, digo eu. Em comparação, na mesma escala, a «falha» de António Costa acerca das trapalhadas de empréstimos bancários, compra de casas e contribuição autárquica, agora também desenterrada e aqui relatada pelo Observador, é uma coisa tão retorcida e elaborada que é impossível não ser deliberada. Por isso, na minha escala, valeria um 4 ou 5, ou mais, se considerar a diferente natureza do incumprimento e as declarações falsas sobre habitação própria.

Contudo, o mais notório nesta saga é a ignorância mostrada pelos numerosos comentadores, começando por Marcelo de Rebelo de Sousa (no caso dele possivelmente motivado pelo ressabiamento de ter sido implicitamente e adequadamente, acrescento, rotulado como «catavento de opiniões erráticas») cuja falha como professor de direito, ignorando que as dívidas à Segurança Social não prescrevem, me parece valer um 8 ou 9 numa escala crescente de ignorância.

Sobretudo notória é ignorância geral sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social que praticamente todos os opinion dealers confundiram com impostos.

Ora, num regime de capitalização, as contribuições estão directamente ligadas aos benefícios e se não forem pagas têm uma repercussão automática e directa nas pensões, constituindo o seu não pagamento uma espécie de tiro no pé do contribuinte.

Mesmo num regime de distribuição, como o português, as contribuições têm como contrapartida o pagamento futuro das pensões, ou melhor a sua promessa. Ainda que não exista uma relação directa entre contribuições, tempo de descontos e pensões, estas serão tão mais elevadas quanto maiores forem as contribuições e o respectivo período. Portanto, quem não contribui está a trocar o presente pelo futuro e a prejudicar o seu benefício na reforma. É claro que prejudicando-se a si próprio também, reflexamente, prejudica a capacidade da Segurança Social financiar no futuro as pensões de todos os outros beneficiários - isso não acontecerá no presente enquanto não se esgotar o Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social.

Diferentemente, nos impostos não existe qualquer relação directa com o contribuinte, que não tem mais nem menos benefícios ou direitos pelo facto de os pagar. Por isso, é bem mais grave a evasão fiscal ou a fraude que beneficia directamente o contribuinte faltoso e prejudica o colectivo dos contribuintes. A própria lei o reconhece atribuindo coimas e penas muitíssimo mais pesadas do que as da Segurança Social.

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