29/04/2014

Bons exemplos (78) - Uma receita para o Serviço Nacional de Saúde

Já sabemos que as reformas do Estado devem ter aqueles requisitos todos que permitem adiá-las para as calendas gregas. Que tal começar por uma coisa simples (?): alterar o estatuto do SNS e nomear um líder executivo para o gerir como uma organização eficaz e eficiente? Leia-se o artigo seguinte já com uns meses (o que não lhe retira actualidade porque dentro de 10 anos ainda andamos a remoer a coisa), onde Gonçalo Reis descreve a contratação de Simon Stevens para CEO do National Health Service.

«O Governo inglês, liderado por David Cameron, fez nas últimas semanas uma contratação exemplar: nomeou para a liderança executiva do National Health Service o arquitecto da política de saúde de Tony Blair, Simon Stevens, que trabalhava actualmente nos Estados Unidos. Vale a pena dissecar os ingredientes desta escolha tão ousada que a tornaria infelizmente improvável no nosso país. Descubra as diferenças. Em primeiro lugar, registe-se que um Governo de coligação entre Conservadores e Liberais vai buscar para um posto de enorme responsabilidade e visibilidade alguém que não é das suas fileiras políticas. Antes pelo contrário, aposta-se num homem dos Trabalhistas, agora na oposição.

Em segundo lugar, registe-se que este quadro, quando era conselheiro de Tony Blair, iniciou políticas inovadoras face à cartilha tradicional da esquerda, introduzindo a concorrência de operadores privados dentro do próprio sistema público, para forçar a redução dos tempos de espera. O pragmatismo reina sobre os dogmas ideológicos, ao longo de sucessivos Governos.

Em terceiro lugar, registe-se a existência do cargo de CEO do famosíssimo National Health Service. Tal significa que se atribui a um gestor, com nome e apelido, a responsabilidade máxima de assegurar uma administração eficaz de todo o sistema, coordenando o desempenho das várias unidades e actuando numa lógica de resultados, sob a orientação política que naturalmente cabe ao Ministro da Saúde.


Em quarto lugar, registe-se que o novo líder do serviço público - que se pretende defender e valorizar - veio directamente do mundo privado e, heresia das heresias!, de um grande grupo do sector da saúde Americano, cotado na bolsa de Nova Iorque. Uma contratação de um super-expatriado, sinal de que o Estado procura o melhor talento, esteja onde estiver.

Em quinto lugar, registe-se o patriotismo de um quadro muito bem sucedido que interrompe uma carreira atractiva para aceitar um desafio complexo, trabalhoso e arriscado. Apesar de tudo, a perspectiva de gerar um forte impacto em sectores críticos continua a desafiar um certo perfil de gestores, especialmente orientados para situações difíceis.

Em sexto lugar, registe-se que o CEO vai ser bem pago, recebendo um salário de 211 mil libras, acima do Primeiro Ministro, que aufere 150 mil libras (por sua vez também adequadamente remunerado). Parece que por lá não se caiu na armadilha politicamente correcta de desprestigiar e tornar pouco atractivos os altos postos de administração.

Em sétimo lugar, registe-se que o recém nomeado executivo gentilmente abdicou de 10% do salário, em solidariedade com as políticas de austeridade. Esta prática voluntária e individual é interessante, pois ajuda a baixar os encargos num momento delicado, mantendo uma referência elevada dos salários, o que permitirá um regresso suave à normalidade quando as condições o permitirem.

Ah, como são diferentes os países realmente civilizados! E como tudo poderá ser melhor no nosso Portugal, quando os responsáveis políticos abrirem os olhos aos contributos mais válidos dos adversários, quando preferirem os competentes aos conhecidos, quando não tiverem vergonha de defender as grandes instituições do Estado, quando perceberem a urgência de introduzir novos padrões, e sobretudo, novas atitudes.
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1 comentário:

  1. É um bom salário? se esses 211.000 (-10%) em 14 meses dá á volta de 225.000€/ano... há por aí muito gestor EP e derivadas, a sacar bem mais que isso... mas sim, é um bom salário.
    neves

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