Continuação de (I) e (II)
Meias-verdades
Se «a mentira para ter alcance e profundidade, tem que trazer à mistura alguma verdade», então as meias-verdades são as mentiras mais eficazes.
«”O animal feroz foi inventado pelo seu jornal.” [JS] Nunca disse aquilo? [pergunta CFA] "Disse uma coisa diferente. Perguntado sobre uma coisa qualquer, autocriticando-me, disse: quando acho que tenho razão, sinto-me um animal feroz.”» Ele não é um animal feroz, sente-se apenas como tal.
«Nós decidimos todos, líderes europeus, fazer investimento. Decisão que vinha da boa doutrina económica.» Dando de barato a bondade da «boa doutrina económica», quais foram os líderes europeus que decidiram fazer investimentos – leia-se: decidiram que os seus governos torrassem dinheiro em projectos sem retorno ou de retorno discutível?
«Ouça, tenho uma boa vida. Se voltei ao comentário político é porque me quis defender, estava a ser atacado sem defesa.» Mas então a iniciativa não foi da RTP, que fez o convite?
«Em 2009, fizemos uma política anticíclica, de estímulos à economia, segundo as recomendações do FMI e de todos os países europeus.» Admito que pode não ser uma mentira, pode ser apenas confusão entre políticas anticíclicas e torrar dinheiro em projectos inviáveis.
«Passos Coelho sempre disse que não sabia de nada. [CFA] "Mentiu, e deixou que outras pessoas mentissem. Ele sabe o que me disse. Um dia contarei esta história toda, não agora, aqui."» Não ponho as mãos no fogo por Passos Coelho, mas se o passado dos políticos serve para avaliar a sua credibilidade, não apostaria nas verdades de JS.
Mentiras
JS mais do que mentiroso competente é um mentiroso compulsivo. Se fosse competente saberia que nunca se devem contar mentiras pormenorizadas que as tornem mais facilmente verificáveis, como várias que disse a uma entrevistadora com o desconfiómetro desligado e aparentemente desejosa de branquear o passado e a reputação de JS.
«Em primeiro lugar, nunca tive nenhum problema com a minha vida académica.» Pelos vistos para JS as evidências documentadas e tornadas públicas nos mídia não são um problema.
«Nessa altura, Sócrates "já era socialista". Quando lhe chamo social-democrata, diz: "Na verdade, o problema de muita gente é que fui sempre social-democrata. … inscreveu-se no PPD. "Fomos inscrever-nos no primeiro partido que se chamava Social-Democrata». Um exemplo da incapacidade de JS distinguir a verdade da mentira. Será uma consequência do seu «consequencialismo»?
Ainda sobre a nacionalização do BPN, JS omite, e a colaborante CFA não questiona, o facto gravíssimo do governo de JS ter recusado a proposta de viabilização dos accionistas (nesta altura já com Oliveira e Costa fora de jogo) apresentada por Miguel Cadilhe, e, em vez disso, ter optado pela nacionalização cujo custo final não está ainda determinado mas se sabe que não será inferior a 7 mil milhões de euros, ou seja mais de 10 vezes os 600 milhões que «assustaram» Teixeira dos Santos.
«A partir de 2010, com a crise, pensei apenas numa coisa, salvar o meu país! E decidi começar as políticas de austeridade para dar bons sinais e proteger o meu país da ajuda externa.» Então a austeridade teria salvado o país e evitado a ajuda externa? E agora que ela já chegou precisamos de quê?
«Repito, não sabia. E sobre a política pública de tortura que a Administração Bush praticou, soube-o agora.» A criatura não leu jornais nos últimos 12 anos?
«Não sinto nenhuma inclinação para voltar a depender do favor popular.» É difícil acreditar quando se investe tanto na fabricação de uma imagem e quando disse há 10 anos, pouco antes de Ferro Rodrigues se demitir e ele próprio se candidatar a líder do PS: «vou para Londres tirar um mestrado, e nos próximos tempos dedicar-me-ei por inteiro à vida universitária». (contado por António José Saraiva e aqui registado).
«Estava em Setúbal para entrar num comício, em 2005 e veio uma assessora dizer-me que havia buscas por causa de um empreendimento que eu tinha licenciado. E qual era?, perguntei. O Freeport. O nome não me fazia soar nada.» Compreende-se que lhe tenham prantado a alcunha de Pinóquio.
«Quando se percebe que eles não iam aprovar e que ia haver uma crise política, as taxas de juro dispararam para 14%. Não havia condições para ir ao mercado. Em 15 dias, os juros passaram de 7% para 14%.» Em 12 de Março de 2011, Passos Coelho diz que não aprova o PEC 4 e em 6 de Abril JS comunica que «o Governo decidiu dirigir à Comissão Europeia um pedido de financiamento». Entre 11 de Março e 7 de Abril de 2011 os yields da dívida pública portuguesa subiram de 7,601 para 8,599. Só em Janeiro do ano seguinte atingirão 14%.
«Respondi-lhes [aos banqueiros, em 4 ou 5 de Abril] que desde o dia em que o PEC4 fora chumbado [24 de Março], os ratings deles tinham descido cinco ou seis vezes e que iam demorar dez anos a recuperar.» Outra mentira desnecessária: nesse período os ratings dos bancos foram alterados uma única vez por várias agências a partir de 28 de Março.
Há uma mentira recorrente na entrevista que é a lengalenga do chumbo do PEC 4 ter fechado os mercados quando a questão de fundo era outra com ou sem PEC 4, como aqui se escreveu no (Im)pertinências a 27 de Março de 2011, 3 dias depois do chumbo: «a concentração da dívida a vencer a curto prazo é tão grande [ver gráfico no post] que conseguir a sua renovação nas condições actuais exigiria um custo tão elevado que engoliria a poupança, aniquilaria o investimento e liquidaria a economia. Ou então nos obrigará a um bailout do FEEF-FMI (já se viu que a FMI virá sempre no pacote – felizmente), a uma reestruturação da dívida com reescalonamento e muito provavelmente a um haircut e à renegociação dos juros». À concentração da dívida acresce que a tesouraria estava completamente seca (ver o gráfico neste post) – o saldo no final de Março era de 1,4 mil milhões de euros, insuficiente para 4 dias de despesas correntes e ainda mais para amortizar dívida. Só havia uma saída que JS, com a cumplicidade de Teixeira dos Santos, adiou o mais que pode.
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