25/10/2013

Pro memoria (142) - Autópsia de uma entrevista do «chefe democrático que a direita sempre quis ter»? (II)

Continuação de (I)

Deixas da entrevistadora para o entrevistado brilhar

Quando se lê de fio a pavio a entrevista, fica-se com a impressão que o entrevistado José Sócrates (JS) bombardeou Clara Ferreira Alves (CFA) com um discurso previamente estudado (anotado nos famosos cartõezinhos?) que esta salpicou depois com perguntas e deixas. Pode não ter sido assim, mas parece.



«Para quem pensa que ele anda à procura de uma respeitabilidade académica que lhe faltava, com a história da licenciatura», esclarece-nos CFA puxando o brilho ao entrevistado que «responde que esse "ponto de vista é mesquinho e apalermado, próprio da maledicência portuguesa"».

«Conto-lhe que há uns anos, numa tarde, uma senhora (a mãe de JS) me abordou (CFA) no EI Corte lnglés e pediu: "Não diga mal do meu menino."»

«E recupera-se da perda do cetro, das guerras e batalhas perdidas, dos insultos e humilhações? Ou endurece-se?» pergunta CFA. «Recuperei. Ostento com orgulho as marcas da batalha» responde o guerreiro.

«Não será válido na política, por vezes, o princípio dos guerrilheiros vietnamitas e dos soldados americanos na guerra do Vietname: se não matas o VC (vietcong), o VC mata-te a ti? Senão matas o GI (soldado dos EUA),o GI mata-te a ti?», pergunta belicamente CFA. «Não, não penso assim, e não concordo com isso» responde, rendido ao pacifismo, o geralmente agressivo entrevistado.

«Leu tudo o que se escreveu sobre ele? Os adjetivos, as acusações? Desde o fato Armani aos casos Freeport ou Face Oculta? “Estou com o George Harrison: a felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós”» responde generoso e humilde JS, sem rectificar a distracção de CFA que pergunta pelo fato Armani quando deveria perguntar pelo fato de 50 mil dólares e pelo nome na montra da «House of Bijan» em Beverly Hills.

Evasões e contradições

«E o exame de Inglês Técnico ao fim de semana? A cara altera-se pouco. "Se quiser falar disso... falo para que compreenda o que aconteceu”.» Quando se esperava que contasse o acontecido, JS finta a prestativa entrevistadora e fala do seu passado de estudante na Covilhã e em Coimbra.

Se, por um lado, se assume social-democrata e moderado, por outro, garante «sou tão mais de esquerda que alguns que se dizem de esquerda

Explica a especulação sobre a sua alegada ligação homossexual a Diogo Infante com esta enigmática tirada: «Namorava com a Fernanda [Câncio] e ficava muitas vezes em casa dela. Deixava ali o meu carro e viam-me sair, é daí que isso deve vir

Sobre a nacionalização do BPN, CFA pressurosamente comenta «que acabaria por "salvar" muitos dos inimigos de Sócrates». Sendo verdade, não é toda a verdade porque «amigos» de JS foram directa e indirectamente salvos. Mas como compreender que «Sócrates achava que o risco sistémico era real e "Teixeira dos Santos estava apavorado com esse risco, a corrida aos bancos" … [quando] o buraco calculado era, na altura, "de 600 milhões"»? Risco sistémico? 600 milhões, o custo de um troço de cento e poucos km de autoestrada?

«Não embarco na tese de que não se nasce torturador», disse. Ou seja, segundo a lógica aristotélica mais elementar, embarca na tese que se nasce torturador. Para logo a seguir embarcar na antítese de que «qualquer um de nós, em circunstâncias limite, podia ser capaz de fazer a mesma coisa», mesmo sem ter nascido torturador.

Ao caso Freeport a entrevista dedica uma coluna com quase 600 palavras a contar estórias sobre o tio e o primo e pelo meio insinuando ligações: «quem estava a pedir esse dinheiro era um gabinete de advogados ligados ao PSD e muito próximos do doutor Santana Lopes, prometendo o licenciamento por um preço.»

Sobre os dinheiros para comprar a casa de Heron Castilho, o empréstimo de 120 mil («telefonei à minha gestora de conta» é uma daquelas mentiras que é um insulto a inteligência) para viver 2 anos no 16ème arrondissement, o bairro mais caro de Paris, e pagar almoços de milhares de euros a uma dúzia de personalidades, diz que autorizou levantar o sigilo bancário «para que vejam as misérias da minha conta bancária». A propósito, leiam-se as revelações de António José Saraiva no SOL, comentando uma entrevista de JS, sobre as mentiras relacionadas com contas bancárias, que reproduzi parcialmente aqui.

Aditamento: a propósito dos dinheiros, e em particular da mãe que «herdou uma fortuna, muitos prédios, andares, que ainda hoje ela não sabe o que fazer com eles», por coincidência, o CM publicou hoje (27-10) esta notícia que, a ser verdadeira, confirma estarmos perante uma família disfuncional onde, além das trapalhadas públicas com tios e primos, a mãe se apropria do património das netas. Que dizer de tudo isto? É demasiado para um homem só.

Ridicularias

Se o ridículo fosse mortal JS não faria há muito parte dos vivos. Se ainda fizesse, esta entrevista seria a sua certidão de óbito.

«E nessa altura (quando perdi a minha irmã) li um texto do Voltaire que me ajudou muito. Um pequeno texto …» texto que não tem nada a ver a morte da irmã e tem todo o ar de ser uma bucha para evidenciar erudição.

«Eu sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter!» Imagine-se um Sócrates de direita a dizer a CFA que era o chefe que a esquerda sempre quis ter.

«Li quatro livros do Freud … Li-o profundamente para poder entender o que é um torturador. … A explicação para o torturador está na psicologia de massas.» «O exemplo clássico é o do Kant, na 'Metafisica dos Costumes'. Já o li umas dez vezes.»

«O deontologismo filiado em Kant diz: age de modo a que da tua boa ação resulte uma lei universal. E portanto, diz Kant, nunca mentir.» Esta é notável, para quem tem mostrado conviver tão mal com a verdade.

«Sempre me filiei nas correntes do consequencialismo e do utilitarismo, o utilitarismo de Bentham e de Stuart Mill. … Porque me tomei um deontologista num único ponto, um ponto que une várias gerações de filósofos, alguns muito actuais, como o Rawls ou o Nozick. … Aqui, filio-me no imperativo categórico prático do Kant. … Existe um filósofo que está muito na moda, o Giorgio Agamben … Isto reconduz-nos a um autor tão maldito como poderoso, Carl Schmitt. … Claro que estava, está em Maquiavel e está em Carl Schmitt.» Aprecie-se esta caldeirada preparada com nomes que parecem retirados das estantes de filosofia da FNAC e, caso tivesse sido cozinhada por um Sócrates do PSD, teria certamente feito vomitar CFA (a «Pluma Caprichosa”), uma senhora cheia de erudição que derrama generosamente pelas sheets do broadsheet Expresso. Erudição nem sempre apreciada, por exemplo pelo Nobel Coetzee que, a uma pergunta de CFA com 11 linhas (Actual de sábado passado), com considerações sobre Gunter Grass e a destruição económica da Europa pela Alemanha, responde telegraficamente e pergunta «o que significa “destruir a Europa economicamente?”»

Provando que a sua cultura vai muito para além da cultura clássica e do pensamento filosófico, JS faz uma incursão no pop e cita um Beatle: «estou com o George Harrison: a felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós.»  Nada mal para quem procura incessantemente a exposição mediática.

Continua: com meias-verdades e mentiras.

1 comentário:

  1. Um "pormaior" em relação a esta oficialíssima bandalheira : quem foi o "ghost writer" da redacçãozinha apresentada pelo bicharel?...

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