06/12/2012

SERVIÇO PÚBLICO: A misteriosa falta do crédito às empresas

Em primeiro lugar é conveniente saber de que empresas se fala, porque as grandes empresas, e em particular as empresas públicas, não parecem queixar-se de falta de crédito. Quem se queixa são as PME (marginalmente também as micro empresas), especialmente as que estão a crescer e precisam de investir para dar resposta ao crescimento da carteira de encomendas, isto é as empresas exportadoras, porque as que produzem essencialmente para o mercado interno não precisam de investir porque a procura dos seus produtos está em contracção.

As empresas queixam-se e os bancos fazem anúncios de uma página a anunciar a sua disponibilidade para financiar novos projectos. Onde está verdade? Provavelmente em nenhum dos lados. Vejamos o lado dos bancos. Nos últimos anos os bancos registaram imparidades que podem atingir 10% do PIB, ou seja o dobro do objectivo do défice do OE 2012. Isto é, os bancos tiveram de provisionar naquele montante perdas futuras potenciais do valor dos seus activos, nomeadamente acções e obrigações detidas de várias empresas e créditos concedidos quer a empresas, quer a particulares – empréstimos para habitação e crédito pessoal. A CGD, por exemplo, não só detinha acções do BCP, que hoje não pagariam o papel (se não fossem desmaterializadas), como ainda, no âmbito do assalto do governo socrático e seus acólitos ao BCP, emprestou 400 milhões a Berardo, e a outros acólitos, empréstimo em que Berardo deu como colateral as mesmas acções do BCP.

Acresce que muitas empresas públicas estão falidas com capitais próprios negativos e sugam o pouco dinheiro disponível dos bancos que preferem emprestar-lhes com garantia do Estado a apostar em empresas viáveis, embora necessariamente com risco. Segundo Catroga recentemente estimou, seriam necessários 20 mil milhões, quase 15% do PIB, para injectar nas empresas públicas e amortizar os seus passivos bancários.

Por outro lado, os empréstimos a habitação de longo prazo têm um peso elevadíssimo nas carteiras dos bancos, e a maior parte, anterior ao rebentar da bolha, com spreads muito baixos – até 2008 eram vulgares ofertas de spread zero, por incrível que isso hoje nos pareça. Em consequência, o spread médio, isto é margem média na concessão de crédito, é muito baixo o que leva os bancos para melhorar os resultados a fixar spreads absurdamente elevados nos novos empréstimos.

Acresce a tudo isto que uma parte significativa das disponibilidades dos bancos é regularmente usada para comprar dívida pública nos leilões – uma espécie de frete ao governo para manter a ilusão de continuar a financiar-se nos mercados. Dívida que de seguida é oferecida como colateral para os empréstimos do BCE a juros evanescentes, embolsando de caminho uma bela margem, com talvez maior risco, mas muito menos incómodo e custo administrativo do que financiar milhares de PME.

Vejamos agora o lado das empresas. Tradicionalmente as empresas portuguesas vivem com capitais próprios insuficientes para garantir o ciclo de produção. Em parte porque os empresários, como de resto todos os portugueses, têm uma profunda aversão ao risco o que os inibe de investir nas próprias empresas e obriga a recorrer ao crédito bancário, a maioria das vezes de curto ou curtíssimo prazo e a taxas elevadas. Resulta deste handicap que muitas empresas podem ser vítimas do seu próprio sucesso: não dispondo de capitais próprios e precisando de investir para responder a uma carteira de encomendas a crescer rapidamente, endividam-se a ponto que os custos financeiros ganham um peso excessivo na exploração e as empresas deixam de gerar cash flow suficiente e vão rolando os passivos para frente até se endividarem para pagar os juros.

Em resumo, há pouco dinheiro nos bancos, porque está noutras paragens, e a preços que as empresas não podem pagar. Como se sai daqui? Não sei bem. Só sei que não se sai enquanto se persistir na negação do problema que é o que a banca e o governo estão a fazer.

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