Estória
«A vida de José Dirceu dava um romance, um extraordinário romance por cujas páginas passaria a história dos últimos quarenta e tal anos do Brasil. Ouvi falar em Dirceu, como um mito da esquerda brasileira que corajosamente enfrentou a ditadura militar, muito antes de ele se ter tornado o todo-poderoso ministro político de Lula. Mas só o conheci pessoalmente bem mais tarde, já o "Mensalão" o tinha obrigado a sair do governo e estava ele reconvertido a uma actividade difusa, entre o Brasil, Portugal e Angola - em cujos países, todavia, a sua lista de amizades revelava melhor do que qualquer de visita ao que se dedicava ele: tráfico de influências político-empresariais. Pareceu-me que esse destemor, associado à impopularidade de que gozava no Brasil, só podia significar que ele não levava a sério a hipótese de vir a ser julgado e condenado pelo seu papel de mentor do "Mensalão".
Não sei se foi essa soberba que o tramou, se foi um súbito e inesperado sobressalto de independência ao mais alto nível da Justiça brasileira. Mas é evidente que a sua condenação a onze anos de prisão, talvez em "presídio normal" (isto lado a lado com os criminosos da droga e do crime violento), é um exagero que mais parece um ajuste de contas do que uma sentença serena. Porque, bem vistas as coisas, o que tramou José Dirceu foi o próprio sistema constitucional brasileiro, decalcado do americano, mas que não pode funcionar saudavelmente em regime multipartidário. Com o esquema do "Mensalão" (a compra de votos de deputados para apoiarem leis do Governo), José Dirceu quis contornar a dificuldade de um Presidente eleito maioritariamente pela nação não encontrar apoio maioritário no Congresso. Todos os presidentes eleitos em democracia encontraram a mesma dificuldade e todos lançaram mão de expedientes semelhantes para a contornarem: assim fez, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso para conseguir maioria parlamentar a favor de uma revisão constitucional que lhe permitiu cumprir um segundo mandato. A ironia da história é que, se Lula saiu do Planalto com a maior taxa de aprovação jamais experimentada por um Presidente brasileiro, deve-o em parte aos que, como José Dirceu, por ele fizeram o trabalho sujo.»
Estória contada por Miguel Sousa Tavares na sua coluna habitual no Expresso. Registe-se como tudo afinal se compreende, se relativiza, se justifica e se aceita em nome de uma boa causa. A mesma boa causa que leva MST a branquear a governação a roçar o criminal, as fortíssimas suspeitas de envolvimento em mais de uma dezena de casos e as falhas de carácter na folha de José Sócrates e a sujar a folha de Passos Coelho com ridicularias do foro idiossincrático. Evidentemente que estamos longe do grau leninista na escala dos fins que justificam os meios. Mas talvez seja mais uma questão de grau, do que de princípio. Certo e seguro é serem dois pesos e duas medidas.
Moral (do próprio MST)
«A dirty job that someone had to do.»
ResponderEliminarEu entendo o MST, é que aqui os corruptos são promovidos. Como o Mário Soares com todo o trafico de influencias que se provou, mas deixou-se andar.
Mais ainda ele acha normal que se compre votos, no congresso.
Apenas porque o presidente foi eleito, mas não tem a maioria, mas o congresso é um contrapeso.
Transpondo para Portugal.
O contrapeso é o Tribunal constitucional.
Ora bem, o PSD podia começar a comprar os votos do constitucional, e para o MST, era justificado, com a necessidade de governar.
Haja pachorra!
(Eu até penso que o Constitucional não está a "governar" segundo a constituição, mas...)