Na sua coluna habitual no Expresso, Nicolau Santos não se cansa, semana após semana, de tentar reescrever a história da última década e das políticas públicas dominantes, branqueando-as do seu papel de génese da crise que hoje vivemos. Desta vez é a propósito de um «livro imperioso» - «a versão dos vencidos» de Emanuel dos Santos, secretário de estado do Orçamento do governo de Sócrates, que em finais de 2010 garantia que as contas eram fidedignas.
Do «livro imperioso», NS sublinha «algumas ideias» em abono das suas teses de branqueamento. A primeira é só por si um paradigma do pensamento falacioso em que esta gente se especializou. Segundo NS, a ajuda à troika foi «não por falta de dinheiro para pagar salários e pensões», mas por causa do «corte internacional do financiamento à economia», porque «só IRS e o IRC chegavam para isso». Já agora, NS poderia ter concluído que o IRS, o IRC e todos os outros impostos somados chegariam para pagar algumas das despesas mas não todas elas. Por exemplo, pagariam os salários e as pensões, mas não o serviço da dívida, ou pagariam este mas não aqueles.
A segunda ideia é de que o Estado não consome metade da riqueza porque devolve um quarto às famílias. Sendo este quarto, só por si, um problema, ainda que menor, porque o Estado o retira às famílias que o pagam para distribuir às famílias que o recebem, o problema maior é que para o retirar e o distribuir o Estado gasta o outro quarto.
A terceira ideia é que o crescimento estagnou não por causa do Estado mas por causa do consumo privado que fez cair o investimento privado. É verdade que o consumo privado subiu e investimento privado caiu, mas NS sem dar por isso condenou quase todas as políticas públicas que sempre louvaminhou, políticas públicas que, apesar da sua suposta bondade, tiveram esse efeito no sector privado e levaram ao colapso do Estado e da economia e nos conduziram não aos amanhãs que cantam mas aos presentes que choram.
A quarta ideia é que os juros dos empréstimos da troika deveriam ser renegociados porque são muito elevados - variam entre 5,5% e 6,1%, segundo NS. Podem ser muito elevados, depende do que ser considera elevado, mas a taxa de juro média ponderada ronda os 3,5%, como aliás os subordinados de NS reconhecem 3 páginas mais à frente: «hoje a taxa média do empréstimo (incluindo a parcela do FMI) ronda 3,6%.» Compare-se esta taxa com os yields médios ponderados de quase 6% que o Estado tem conseguido nos leilões, em que, recorde-se, a parte de leão tem sido da patriótica banca portuguesa. (*)
A quinta ideia é que a «economia não está hoje abafada pelo Estado» porque em 1986 o sector público absorvia 71,7% do crédito total à economia e em 1999 as empresas e famílias já absorviam 98% do crédito disponível. Não verifiquei estes indicadores, mas ainda que possam estar correctos não incluem os valores astronómicos da dívida pública portuguesa detida pelos bancos, sendo hoje este o principal negócio a que estes se dedicam com os empréstimos do BCE em vez de financiarem os sectores produtivos.
(*) Depois deste post ter sido publicado, o próprio Expresso hoje (dia 30)
escreve que «o Primeiro-ministro revelou que ... taxa média cobrada pelos fundos europeus está entre 3% e 3,2%, abaixo dos 4,7% do FMI».
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