Compreensivelmente, este é um tema sempre no topo da agenda política, sobretudo em épocas com desemprego elevado e crescente e salários reais em perda. As declarações de António Borges sobre a «urgência» de reduzir salários incendiaram o debate, se é que lhe podemos chamar debate, porque na verdade o que tem sido feito são declarações de fé, conversa fiada e demagogia. Vejamos algumas dessas tomadas de posição.
Passos Coelho apressou-se a garantir que o governo não vai tomar «novas medidas nessa matéria». Promessa vã porque ninguém pode garantir nada e no ponto em que nos encontramos, com muitos anos pela frente para recuperar as finanças públicas e privadas (a dívida privada ao exterior é muito maior do que a dívida pública) podemos ter que suportar perdas reais dos salários da ordem das dezenas por cento – uns 30 por cento só para competirmos com a Espanha.
Exagero meu? Nem por isso. Se percebermos que a recuperação da economia neste contexto de fortíssimo endividamento só pode fazer-se com uma combinação de investimento directo estrangeiro e exportações, devemos saber que o primeiro é atraído por produtividades elevadas e a competitividade que as segundas exigem depende igualmente do incremento da produtividade. Chegados aqui devemos olhar para o mundo real, por muito que isso faça dores de cabeça aos nossos políticos e a quase todos os intelectuais possuídos pela paranoia da negação da realidade, marchando contra os moinhos de vento das «inevitabilidades». Esta gente só começará a perceber quando a inevitabilidade chegar às suas tenças.
E o que nos mostra o mundo real? Conta-nos que a nossa produtividade do trabalho expressa em paridades do poder de compra (*) decaiu a seguir a adesão ao euro e a ligeira recuperação posterior não conseguiu mais do que fazer-nos atingir 76,5% da média da EU27 e, pior do que isso, apenas 70,3% da Zona Euro, o que nos deixa atrás de todos, excepto os ex-membros do bloco soviético. Por isso, é difícil não concluir que as várias modalidades de socialismo que nos têm governado conseguiram em menos de 4 décadas um resultado comparável ao da bota soviética. Para terminar estas comparações, acrescente-se que a nossa produtividade é inferior à grega aldrabada (94,8%) e à espanhola (109,0%) e representa apenas 56% da produtividade irlandesa.
Se a este cenário de fraquíssima competitividade acrescentarmos o tempo necessário para a melhorar as qualificações profissionais e reformar as fábricas de iletrados e inumerados que são as nossas escolas, devemos concluir a inevitabilidade da redução dos salários reais, mesmo que as nossas aspirações de crescimento se limitassem ao necessário para tornar a dívida sustentável e fazermos jus ao nosso homem em Sciences Po para quem as dívidas não são para pagar. E o resto é conversa.
É conversa do Jerónimo de Sousa defender um salário mínimo 40 ou mais vezes superior ao do equivalente num paraíso do socialismo - Cuba aumentou-o agora para 14 euros.
É conversa da Dr.ª Teodora Cardoso que defende muito lapaliceanamente que «problema fundamental é o da estrutura da nossa produção e mais uma vez a qualificação», sabendo que mudar a estrutura da produção exige muito tempo e, já agora, imenso desemprego que ela também abomina, e melhorar as qualificações podemos esperar sentados, a não ser que confundamos isso com a emissão de diplomas das Novas Oportunidades.
Como são conversas as declarações de António José Seguro, de Francisco Louçã e de todos os seus repetidores.
A questão não é se temos de diminuir os salários reais. A questão é como vamos deixar que esse ajustamento aconteça e a que ritmo, na escassa medida em que podemos ter alguma influência. A questão já não é sequer quando começamos, porque já começámos há 3 anos nas poucas novas contratações do sector privado, há um ano nas reduções nominais da função pública e nas reduções reais em todos os sectores com actualizações inferiores à inflação.
(*) Fonte: Labour productivity per person employed, Eurostat
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