09/03/2012

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: Os juros usurários e a dívida ilegítima, segundo o picareta falante e o tele-evangelista

Secção Insultos à inteligência

É precisa uma grande dose de ignorância ou de falta de escrúpulos, ou uma combinação apropriada destes dois atributos, para defender que os juros da dívida pública são usurários, como fez Marcelo Rebelo de Sousa na apresentação do panfleto de Francisco Louçã «A Dividadura – Portugal na crise do euro». Acontece que, como o conhecido comentador deverá saber, os juros que estão a ser pagos pelo Estado português são bastante moderados, porque toda a dívida anterior ao bailout está a taxas baixas (e isso foi parte do problema ao desligar as campainhas de alarme). A nova dívida ou faz parte do pacote da troika e está a taxas de favor ou é de leilões de OT a curto prazo e, portanto, com juros mais baixos.

O que MRS poderia chamar «usurários» são os yields no mercado secundário que são efectivamente muito altos, comparados com as cotações das OT que estão muito abaixo do seu valor nominal devido ao elevado risco de incumprimento. Contudo, o Estado português continua a pagar os mesmos juros que no passado relativamente ao stock de dívida e quem se entalou foram os credores por ficarem com OT em carteira que valem apenas uma fracção do que emprestaram ao Estado português.

É provável que MRS, um picareta falante (como Pulido Valente chamou a António Guterres) papagueando sobre tudo e mais alguma coisa, não faça a menor ideia do que diz. Pelo contrário, o autor do panfleto saberá, ou pelo menos, como professor de economia, tem a obrigação profissional de saber.

É por isso que ao dizer «que uma parte importantíssima da dívida devia ser cancelada porque simplesmente é dívida ilegítima, que não foi contraída pelos portugueses e resulta simplesmente do jogo financeiro e da acumulação de juros excessivos», Francisco Louça confirma, uma vez mais, a justeza do epíteto de tele-evangelista.

Qual é a parte importantíssima ou mesmo pequeníssima da dívida que não foi contraída pelos governos portugueses legitimamente mandatados pelos eleitores para se endividarem? Se o jogo financeiro contribuiu de algum modo para a dívida não foi certamente pelos «juros excessivos» mas pelos juros insuficientes desfasados da realidade da economia portuguesa e apenas explicados pela expectativa frustrada dos credores que o BCE faria o bailout dos países falidos e, por isso, o preço do dinheiro emprestado aos portugueses seria o dos alemães adicionado dum pequeno spread para pagar um risco residual.

Por tudo isto, é justo atribuir a cada uma das luminárias uma combinação de 1 até 5 ignóbeis, na hipótese de os dislates serem puro cinismo, e de 1 até 5 chateaubriands, caso acreditam nas suas baboseiras. Como são ambos reincidentes, levam adicionalmente cada um 5 bourbons.

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