Muita gente terá pensado ser a tese conspiratória das agências de rating uma mera invenção de Sócrates para alijar as responsabilidades pelos resultados do seu desgoverno: maior desemprego dos últimos 90 anos, maior dívida pública dos últimos 160 anos, mais baixo crescimento económico dos últimos 90 anos, maior dívida externa dos últimos 120 anos, mais baixa taxa de poupança dos últimos 50 anos e segunda maior taxa de emigração dos últimos 160 anos.
Se também achou isso, é melhor pensar outra vez. De facto, José Sócrates usou esse argumento com algum sucesso, beneficiando da proverbial falta de informação e discernimento do eleitorado. Porém, a partir de certa altura, o dilúvio de mentiras, a visível deterioração da situação económica e financeira, em contraste com o discurso optimista, descredibilizando o arguente descredibilizaram o argumento.
Descredibilizaram o argumento mas não o liquidaram e aí está outra vez. Agora, esgrimido não pelo governo que se limita a um conformado «murro no estômago», mas inevitavelmente pela esquerda e pela direita amante do estado, por corresponder à manifestação dos seus fantasmas (mercados, livre iniciativa, capitalismo, americanos) e das suas teses conspirativas de estimação. E o argumento, também inevitavelmente, é uma benção para uma população a passar do estado de negação, alimentado por José Sócrates durante os últimos 3 anos, para o estado de revolta. E na revolta é preciso encontrar um bode expiatório, para não enfrentar as responsabilidades próprias: endividamento insustentável para comprar a casita, o carrito, o plasma, os tabletes, os iPods, as férias no nordeste brasileiro, etc. Em breve, será o governo PSD/CDS, mas, por agora, até a gente mais burra hesita em elegê-lo como bode, decorridas 2 semanas da posse.
Que fazer enquanto se espera o fim do curto período de graça? Encontrar um substituto consensual aos principais interessados. Uma entidade que, para começar, permita ao situacionismo socialista endossar as responsabilidades por 13 dos últimos 16 anos. Se essa entidade, além disso, puder servir de argumento à esquerda troglodítica para demonstrar os malefícios do neo-coisismo, servir de desculpa antecipada às prováveis derrapagens do governo, de álibi aos 200 palhaços que andaram na televisão a falar de economia, em particular ao subconjunto dos pastorinhos da economia dos amanhãs que cantam, sem perceberem (ou a esconderem) o desfecho há muito visível, e se ainda puder concitar o rancor popular, então teremos a entidade perfeita.
Essa entidade perfeita terá de possuir várias características para servir propósitos tão díspares. Terá que ser estrangeira para afastar as culpas o mais possível dos responsáveis e concitar mais facilmente os ódios. Até aqui temos vários candidatos. Os alemães (querem-nos fazer trabalhar mais horas e reformar mais tarde) e os finlandeses (não queriam dar para o peditório) seriam há uns meses bons candidatos, mas ao abrirem os cordões à bolsa enfraqueceram a candidatura. O BCE não é consensual porque está a emprestar dinheiro aos bancos que emprestam ao estado que o torra para pagar as pérolas do estado sucial e de caminho a multidão de sinecuras.
Os americanos seriam uma boa aposta nos tempos do Bush Júnior. Agora com Barack Obama é muito mais difícil. Até a esquerda anti-americana (OK, eu sei. Por definição toda a esquerda é anti-americana e, já agora, uma boa parte da direita colectivista) tem agora mais dificuldades em vender a ideia. Se ainda fosse no segundo mandato, quem sabe.
Os mercados, a concorrência, os capitalistas, os especuladores, seriam bons candidatos, sobretudo para os intelectuais em geral e os políticos ou activistas de esquerda. Porém, são categorias abstractas dificilmente concretizáveis em inimigos visíveis para concitar o ódio popular. A não ser se capitalistas e especuladores fossem os nacionais e aí poderíamos ter uma segunda edição do PREC com eles a fugirem para o Brasil para escaparam a um coronel Tapioca a querer enfiá-los no Campo Pequeno. Isso já não é possível. Esses cartuxos já não têm pólvora. A plebe perdeu o nervo com a casita, o carrito, o plasma, os tabletes, os iPods, as férias no nordeste brasileiro, etc.
Não está fácil. Quem, portanto? O povo com a sua infinita sabedoria, inspirado por um coro de pitonisos e opinion dealers, já encontrou a resposta. A Moody’s.
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