04/10/2010

Pro memoria (10) - Os insultos de Sócrates à inteligência dos eleitores

Não costumo (não consigo) assistir às entrevistas a José Sócrates e não assisti à de sábado passado à TVI, estranhamente muito pouco comentada, talvez por estarmos todos já muito cansados de tanta mistificação. Por isso, li com muito interesse esta análise do i online:

1 - “Isso é partir do princípio de que teria sido melhor para o país tomar as medidas em Maio. Eu não estou convencido disso.”
Não. Atraso nas medidas agravou subida dos juros.
A especulação sobre a dívida portuguesa foi alimentada pela situação da Irlanda e pelos sinais errados que as contas públicas de Portugal foram emitindo. Bancos (Credit Lyonnais, por exemplo) e agências internacionais notaram o atraso português na consolidação orçamental. Espanha tomou medidas e teve recessão e mais desemprego, argumenta o primeiro-ministro. Portugal toma-as agora com maior esforço no PIB do que em Espanha e com recessão e subida do desemprego à vista. Entretanto, a imagem externa do país e a factura dos juros (paga pelos contribuintes) agravaram-se.


2 - “Quando as condições de mercado melhorarem nós poderemos renegociar essas colocações de dívida.
Não. Portugal não pode renegociar emissões já feitas.
José Sócrates defende que a factura dos juros da dívida emitida este ano poderá ser renegociada. Não é assim. “Demonstra uma profunda ignorância sobre o financiamento público”, aponta Cantiga Esteves, professor de Finanças no ISEG. As emissões foram feitas e dispersadas em mercado secundário a um juro fixo que não pode ser alterado. O governo poderia recomprar essas obrigações se os juros caíssem, mas pagaria mais por elas (porque quando os juros caem, o preço das obrigações sobe). Não há dúvida: a factura a pagar será mesmo mais alta.

3 - “Os contribuintes não vão pagar nada porque estes fundos [de pensões da PT] foram provisionados”
Não. É impossível dar hoje essa garantia aos portugueses.
Em primeiro lugar, os “cálculos actuariais” de que Sócrates falou são muito falíveis, como “têm demonstrado várias teses de mestrado em Finanças”, diz João Duque, professor de Finanças no ISEG. As taxas de mortalidade usadas estão sempre a mudar (com o aumento da longevidade) – esta é uma realidade dinâmica e o provisionamento feito pela PT pode não chegar. Segundo: o Estado vai gastar já o dinheiro que recebe da PT e terá mais tarde de taxar os portugueses para pagar as pensões. É um empréstimo que a PT (que propôs o negócio ao Estado) faz: a que taxa de juro? Não se sabe.

4 - “O facto de a nossa economia estar agora mais robusta dá mais garantias de que apesar destas medidas continuará a crescer”
Sócrates invoca o crescimento de 1,4% até Junho para defender a capacidade da economia de aguentar a austeridade orçamental. Está sozinho nessa análise. Economistas portugueses (da esquerda à direita) e estrangeiros (FMI, “Economist”, Barclays, etc.) apontam para uma recessão em 2011, indicando bloqueios estruturais ao crescimento. E depois de 2011? Jorge Coelho, do PS, explica ao i: “Isto não é problema que se resolva em dois ou três anos. Só se o défice baixar e a economia internacional animar é que podemos pensar em levantar voo. Mesmo assim, será um voo muito baixinho.”

5 - “Quando um governo diz que congela as pensões quer dizer que todos os pensionistas receberão em 2010 o que recebiam em 2009”
O chefe de governo fala da decisão de congelar as pensões, mas deixa de fora uma medida do seu governo: “Convergência da tributação dos rendimentos da categoria H [pensões de reforma] com regime de tributação da categoria A [trabalho]”. Por outras palavras: num ano de congelamento da prestação, o governo vai agravar a tributação de IRS sobre as pensões de reforma, aproximando-a do nível taxado aos rendimentos do trabalho. Na prática, haverá por isso uma redução real no valor das reformas, acrescido do desgaste provocado pela inflação.

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