22/10/2009

ÉTUDE DE CAS: l’exception française – la France suicidaire (2)

[Continuação especulativa de (1)]

Antes de especular sobre a génese das tendências suicidárias dos franceses, deixai que especule sobre as razões que levaram quase toda a imprensa a não considerar dados estatísticos facilmente disponíveis e requerendo apenas uma aritmética elementar para os tratar, consideração que levaria a pôr em causa todo o edifício psico-sindical construído para justificar o que não precisaria de justificação. Ou, precisando, seria para explicar porque só houve 24 suicídios na France Télécom (FT) em 20 meses.

Confesso que alguns leitores do (Im)pertinências foram até mais longe do que a imprensa e concluíram que os dados estatísticos para o caso não interessavam nada face à sua inabalável fé. Pelo meu lado, acredito que a razão para não considerar os factos é o lema por muitos cultivado: se os factos contradizem a sua «teoria», tanto pior para os factos. No caso dum povo de poetas como o nosso, acresce a esse lema a congénita dificuldade de lidar com números, sejam dados estatísticos, sejam contas, sejam orçamentos, e a sublimação freudiana dessa limitação pela retórica, com mais ou menos substrato metafísico.

É diferente o caso da administração da FT, que ontem interrompeu as reestruturações para acabar com a «espiral de suicídios» (a semana passada tinha sido «vaga» o que mostra uma tendência para a coisa se retorcer). Pelo menos os dois administradores enarquistas - estudaram na École Nationale d’Administration, frequentada por la créme de la crème do regime - sabem muito bem fazer contas, saber que também sabem não ser relevante para este problema político - a visível crescente impaciência de Sarko.

Antes de concluir esta minha parte retórica, é preciso esclarecer que nem toda a imprensa desconsiderou os factos. Exemplos: a Economist («Bonjour tristesse») e o Monde («Pas de vague de suicides à France Télécom, selon un statisticien»). Que a taxa de suicídios na FT é inferior à média francesa, está pois suficientemente demonstrado nestes artigos e no meu post. Resta apenas compreender porque se suicidam tanto os franceses? Recorde-se que a taxa de suicídio é 35% mais alta do que a Alemanha, quase 60% mais alta do que Portugal e 2,5 vezes a do Reino Unido.

Qual será então a génese das tendências suicidárias dos franceses? A minha especulação é que a causa reside na grande distância hierárquica (power distance) que caracteriza a sociedade francesa, como foi amplamente constatado nos estudos de Geert Hofstede, inúmeras vezes citados no (Im)pertinências. Escrevi aqui, a propósito duns suicídios na Renault em Março de 2007, que a França é uma sociedade muito hierarquizada em que os subordinados têm muito pouco controlo sobre o seu trabalho e as suas vidas, o que, sabe-se hoje, tem efeitos nefastos no sistema imunitário e na saúde mental. Não é por acaso que todas as mudanças relevantes em França foram pela via de revoluções sangrentas ou por pressão de grandes conflitos sociais. Que outro país europeu queimou nos últimos anos milhares de carros (ainda o mês passado 15 numa noite numa só região) e adoptou legislação para compensar com 4 mil euros os proprietários pobres de veículos incendiados?

No coração da Óropa social, escrevi então a propósito da Renault, no seio dum dos campeões nacionais, as relações de trabalho estão pouco mais do que nos finais da década de sessenta, quando as pedras da calçada foram levantadas e os assustados patrões franceses descobriram Peter Drucker e a sua management by objectives com uma década de atraso e apressaram-se a desfraldar a bandeira da gestion participatif, a que foram timidamente acrescentando par objectifs.

Voilà.

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