Vociferando, tronituante, contra o «capitalismo de sarjeta» na sua coluna do Expresso («Capitalismo, dinheiro e ética»), o doutor Miguel Sousa Tavares (MST) não se poupa nas explicações para a crise. Segundo ele a recessão e o desemprego explicam-se porque «o mercado não tem dinheiro para comprar ... e não tem porque as poupanças médias foram sorvidas, melhor dizendo, roubadas, pelo sector financeiro especulativo». MST não se embaraça nos factos - por exemplo, no facto de que as poupanças médias não existiam porque a classe média pura e simplesmente deixou de poupar, vivendo há uma década a crédito e acima das suas posses.
Continuando a não se preocupar com os factos, MST explica que «não há dinheiro na mão dos consumidores porque os Oliveira Costa, os Rendeiros, os Madoff deste mundo agarraram nas poupanças que lhes confiaram e roubaram-nas de duas maneiras: ou aplicando-as em pura especulação, sem qualquer critério de prudência e boa gestão; ou, pura e simplesmente, roubando-as, em benefício próprio.» É claro que, sobretudo no caso do BPN, houve locupletação, mas, mesmo neste caso, os montantes envolvidos são apenas uma fracção pouco significativa das perdas que os clientes (ou os contribuintes) irão sofrer.
No caso Madoff, em que estão envolvidas perdas que podem atingir a USD 50 mil milhões (ver aqui a história contada por Alistar Barr e o artigo Con of the century da Economist), é por demais evidente que os lesados são uns milhares de abonados e sofisticados investidores directos, umas dezenas de empresas financeiras e alguns bancos, o que no final não tem qualquer significado na redução da procura de bens de consumo, a não ser talvez para a LVSM (marcas Louis Vuitton, Moêt et Chandon, etc.). Será menos evidente, mas não menos verificável, que ainda assim, enquanto grupo, o que agora perdem é eventualmente menos do que no passado ganharam com o esquema de Ponzi montado por Bernard Madoff. O problema é que, dentro do grupo, uns ganharam e outros saíram a perder.
Quanto ao diagnóstico da maleita, conclui inevitavelmente MST que a crise financeira «é o resultado de uma crise de valores». Crise de valores que, por sua vez e também inevitavelmente, «é o resultado de o Estado se ter demitido do seu papel de vigilância e controlo dos poderosos». Valha-nos, ao menos, que MST não propõe explicitamente nenhuma medicina para a doença, nomeadamente mais regras, mais regulação, mais reguladores e, consequentemente, mais Estado. E ainda bem, porque, a causa determinante da falha dos mercados não foi essencialmente a falta de regras e mecanismos de regulação, mas muito mais os incentivos de uma política monetária estúpida no contexto de uma década de dinheiro estúpido, estupidamente aplicado. Nos casos Oliveira Costa (um trapaceiro triste e pardacento) e Madoff (um trapaceiro superdotado) e outros menos mediáticos, à política monetária estúpida adicionaram-se falhas e incúria da supervisão, que ignorou sucessivas red flags e conflitos de interesses, falhas já confirmadas pela SEC, mas por cá nunca reconhecidas, nem pelo BdP nem pelo governo (a quem o BdP tem prestado valiosos serviços).
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