03/10/2007

CASE STUDY: de candeia às avessas (1)

«Mulheres-a-dias, trabalhadores de ONGs, prestadores de serviços a empresas e os serviços financeiros são das poucas áreas em que a oferta de emprego aumentou, no segundo trimestre, em Portugal. Ou seja, mais transacção e especulação, mas menos produção. Os dados relativos à criação de riqueza e de emprego mostram que Portugal é cada vez mais uma economia de pequenos serviços, pequeno comércio, de negócios financeiros e de tantos outros que giram em torno do fenómeno imobiliário, mas tem vindo a perder a base industrial. Fruto de um novo paradigma de concorrência global, que ditou o esvaziamento dos sectores tradicionais (têxtil e calçado, por exemplo), mas também da carência de trabalhadores com médias e altas qualificações e iniciativas empresariais inovadoras, o país conseguiu, o feito inédito de ultrapassar Espanha... no nível de desemprego. A reconversão do tecido empresarial começou tarde, evolui muito lentamente, continua a viver de actividades pouco produtivas, e defronta-se agora com um inesperado obstáculo: o maior custo no acesso ao crédito decorrente da crise que abala dos mercados financeiros, que vai atrasar os novos (bons) investimentos e os empregos do futuro, confirmam diversos economistas.

Apesar do baixo crescimento do produto, e do emprego estar, em média, estagnado desde 2002, há áreas que estão a criar postos de trabalho. O que podia ser positivo. Mas que não é. Segundo o INE, as áreas que mais empregos criaram no segundo trimestre – período marcado por uma destruição de emprego de 0,5% a nível nacional – foram as actividades com empregados domésticos e as actividades de produção para uso próprio, os chamados outros serviços, com um crescimento de 11% face ao período homólogo. Logo a seguir, as actividades imobiliárias e os serviços prestados às empresas, que cresceram 10%. Nesta categoria caem serviços tão diversos quanto o aluguer de veículos, actividades informáticas, jurídicas, de contabilidade, de consultoria de gestão, segurança, limpeza industrial, embalagem, secretariado, organização de feiras, etc. Em terceiro lugar, figuram os serviços financeiros, com uma criação de emprego de 4%.

Francisco Van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), confirma que “só há criação de emprego digna desse nome nas áreas onde o valor acrescentado é mais baixo, não nos sectores de alta tecnologia ou de grande especialização pois ainda não há suficientes pessoas com essas qualificações, veja-se o caso dos engenheiros, nem investimentos à escala”. “Assim a criação de emprego assenta essencialmente nos serviços às empresas, limpezas, áreas comerciais e de vendas, no marketing, nos estudos de mercado”, junta. “As pessoas, mesmo as mais qualificadas como os antropólogos, os licenciados em jornalismo, em história, em literatura, ou não encontram emprego ou estão a aceitar trabalhos mal pagos”, ilustra o líder da CIP.
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(Por que sobe o desemprego e em que profissões, Luís Reis Ribeiro no DE)

Em conclusão:
  1. O emprego tem sido destruído nos sectores de bens e serviços transaccionáveis que estão sujeitos à concorrência do mercado global;
  2. O pouco emprego que tem sido criado é nos sectores de bens e serviços não transaccionáveis e grande parte desse emprego tem sido emprego para emigrantes, que são os únicos dispostos a aceitá-los;
  3. Enquanto o coração económico da Europa continental atravessa um período de recuperação, com o desemprego a descer abaixo dos níveis históricos das últimas 2 décadas, Portugal começa a mostrar tímidos sinais de retoma no que pode ser o final desse curto período;
  4. Em contra-ciclo, uma vez mais, com quase todos os mesmos problemas de sempre.
NOTA: «de candeia às avessas» foi o nome duma coluna de Vasco Pulido Valente há uns anos n'O Independente, usado talvez para designar a sua incorrigível veia queirosiana. Uso a expressão aqui para nomear esta singularidade lusitana que consiste andar sempre ao contrário da vizinhança. Voltarei ao tema.

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