Há duas espécies de criaturas mais ameaçadas de extinção no território português. A mais conhecida é o lince da serra de Malcata.
A outra é o analista económico vulgaris. Em parte porque não existe no nosso ecossistema uma disciplina científica chamada economia. O que existe mais parecido é a economia mediática - uma indisciplina mais próxima dum foguetório do que duma consideração racional das variáveis relevantes.
Não podendo contar com os analistas económicos vulgaris, temos que viver com a produção dos analistas económicos exoticus. Uns piores, outros melhores, mas todos exoticus e dedicando-se mais a fabricar futuros radiosos nas nossas mentes do que a prevê-los. Entre os menos maus, conta-se o director do Diário Económico Martim Avillez Figueiredo. Apesar disso, não escapa ao tique de nos tentar animar, debatendo-se, entre a espada e a parede, para encontrar algum vestígio de ratio económico para o optimismo que nos pretende instilar nas meninges e, imagina ele, nos ajudaria a sair do buraco.
No seu editorial de hoje, vestindo momentaneamente no 2.º parágrafo as roupagens do analista vulgaris, o doutor Martim enumera os seis factores de que depende a retoma da economia portuguesa e eu assino por baixo. São eles: (i) exportações altas; (ii) despesa pública baixa; (iii) consumo privado controlado; (iv) investimento (nacional) dinâmico; (v) investimento estrangeiro forte; e (vi) conjuntura internacional favorável.
No 3.º parágrafo o doutor Martim começa a sua imparável derrapagem para a variedade exoticus e dá de barato que em relação (i) exportações altas, (iii) consumo privado controlado e (vi) conjuntura internacional favorável, estamos conversados. Aqui, ainda assinaria por baixo, com algumas reservas mentais no que respeita às exportações altas, por razões que agora não tenho de explicar.
No 4.º parágrafo o doutor Martim continua a derrapar e levanta do chão as rodas do seu lado esquerdo entregando nas mãos do governo o investimento estrangeiro. De passagem tem um lapso freudiano e esquece o investimento nacional privado.
Nos dois parágrafos seguintes, o doutor Martim capota irremediavelmente, deixa cair o chapéu vulgaris, assume a cartola exoticus e entra decididamente no campo do wishful thinking, orando para que o estado napoleónico-estalinista consuma menos recursos da economia e mate o monstro. Animado com esta oração, termina com um gigantesco se (o maior desde o passamento do Botas até aos dias de hoje). «Se o próximo Orçamento de Estado for claro em relação a este ponto, basta somar os outros para dizer, com total segurança, que a retoma chegou, finalmente.»
É nesta altura que convém perguntar: onde o doutor Martim imagina que irá o governo ser claro, depois de já sido claro no investimento público? Nas despesas correntes que continuam este ano a sua trajectória ascendente?
Analista vulgaris, comendo um almoço à borla
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