Faço uma pausa no tratamento "sério" deste tema nos posts desta série para mostrar os efeitos delirantes deste mito.
Desde 2002 o Eurostat vem publicando anualmente dados sobre a chamada "disparidade salarial" para um número crescente de países membros. Os dados de 2022 acabam de ser publicados no quadro «Gender pay gap in unadjusted form». Como seria de esperar e tenho vindo a salientar desde o primeiro post desta série, estes dados não se referem às diferenças salariais atribuíveis ao sexo, visto que não têm conta as diferentes funções desempenhadas por homens e mulheres, como ressalta da definição do indicador:
«O indicador mede a diferença entre os rendimentos horários brutos médios dos trabalhadores remunerados do sexo masculino e dos trabalhadores remunerados do sexo feminino como percentagem dos rendimentos horários brutos médios dos trabalhadores remunerados do sexo masculino. O indicador foi definido como não ajustado, porque dá uma imagem global das desigualdades de género em termos de remuneração e mede um conceito que é mais amplo do que o conceito de salário igual para trabalho igual.»
Em consequência, o indicador não mede a desigualdade salarial mas a desigualdade de funções ainda hoje influenciada por factores sociais e culturais que estão a mudar há uma geração mas que ainda não se reflectiram completamente nos papéis desempenhados no mundo do trabalho por várias razões, incluindo pela "divisão do trabalho doméstico" que também está em mudança.
Baseado nestes dados, o Jornal Eco produziu uma peça onde assumindo que a disparidade salarial «irá reduzir-se ao ritmo dos últimos dez anos» conclui que o céu será atingido em 2071. Tendo em conta que essa conclusão se baseia num indicador enviesado, como referi, e numa premissa completamente arbitrária, ocorre-me um termo muito usado nas tecnologias de informação GIGO (garbage in, garbage out) ou, em linguagem vernacular, se entra caca, sai caca. O que me leva a concluir que este é mais um domínio onde a ideologia subverte os factos e a lógica, constituindo aquilo que chamamos no (Im)pertinências ciência de causas cujas conclusões são publicadas pelo jornalismo de causas e aproveitadas por bandos de fazedores de opinião para gáudio de uma legião de crentes.
E continuamos "umbiguisticamnete" eurocentricos ( com os prolongamentos coloniais anglo-saxonicos... ).
ResponderEliminar"Usque tandem"?
A clarividência do (Im)Pertinente neste género de questões 'woke' é inatacável. Por conseguinte, é-me impossível não estranhar a ausência de algumas indagações neste blogue, como por exemplo:
ResponderEliminar1. Se a "desigualdade salarial" «não mede a desigualdade salarial, mas a desigualdade de funções», então porque é que o Eurostat recorre a esse indicador? Qual é o objectivo de facto?
2. Se «este é mais um domínio onde a ideologia subverte os factos e a lógica», e os partidos como o PSD e a IL não parecem preocupar-se minimamente com essa subversão, então que alternativa resta aos eleitores senão votar em partidos como o Chega?