23/02/2024

Na Rússia do Czar Putin o passado continua mais imprevisível do que o futuro

Comentando aqui a simpatia do Dr. Miguel Sousa Tavares pela «conhecida tese de que a independência da Ucrânia foi um erro histórico», propus-me questionar a fantasia do Czar. A conhecida tese é fundada na ideia de que durante 10 séculos os russos e ucranianos foram um povo único que só recentemente os seus inimigos externos dividiram, ideia que o Czar formulou num ensaio publicado em Julho de 2021 com argumentos que lhe serviriam para justificar a invasão no ano seguinte.

Tudo começou segundo Putin no século IX com a identidade russo-ucraniana Kyivan Rus. Esta confederação governada por vikings que se fundiram com eslavos locais foi a origem da Rússia, da Ucrânia e da actual Bielorrússia. Em meados do séculos XI Kyivan Rus começou a fragmentar-se e no séculos XIII deixou de existir como uma única entidade quando os mongóis cercaram Kyiv.

Depois do declínio do Império Mongol no século XIV, o território correspondente à Ucrânia fez parte da República das Duas Nações, constituída pelo Reino da Polónia e o Grão-Ducado da Lituânia, até que em meados do século XVII os cossacos formaram o Hetmanato, o seu próprio estado independente, que o ucranianos vêem como a origem da sua identidade - a palavra eslava "Ucrânia" significa terra fronteiriça. No final do século XVII o Hetmanato dividiu-se em duas partes, uma controlada pela República das Duas Nações e outra pelo Principado de Moscóvia. 

Já no início do século XVIII o líder cossaco Ivan Mazepa (um herói para ucranianos) revoltou-se contra Pedro o Grande, que se tornou o primeiro imperador da Rússia em 1721. No final desse século o Império Russo desmembrou a República das Duas Nações e expulsou os otomanos do sul da Ucrânia, incluindo a Crimeia que foi anexada por Catarina a Grande em 1783, e desmantelou o que restava do Hetmanato.

Depois da revolução bolchevique em 1917, as autoridades de Kyiv fundaram a República Popular da Ucrânia, que em 1918 declarou independência e foi submetida por Lenine que reconhecendo a identidade nacional ucraniana aceitou a criação de uma república ucraniana socialista e o uso da língua ucraniana. Esta república tornou-se em 1922 um dos membros fundadores da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Na década seguinte Estaline levou a cabo a coletivização forçada da agricultura de que resultou o Holodomor, uma fome devastadora que dizimou milhões de ucranianos. 

A URSS não resistiu às reformas que Gorbatchov tentou adoptar e em 1991 colapsou e as suas 15 repúblicas tornaram-se independentes. A Ucrânia herdou o terceiro maior arsenal nuclear e aceitou desmantelá-lo em troca das garantias de segurança que os EUA, a GB e a Federação Russa assinaram no chamado memorando de Budapeste. A partir daqui a história é bem conhecida.

Moral da história (que não tem moral): ucranianos e russos são um povo tão único como são portugueses e espanhóis, com a diferença de que a Aljubarrota da Ucrânia só agora chegou e ainda não está ganha. 

(fonte principal «A short history of Russia and Ukraine» com os seus elucidativos sete mapas)

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