«Pedro Nuno Santos é o novo secretário-geral do PS. No seu discurso no congresso do partido, ele prometeu romper com o espírito antirreformista dos Governos de António Costa (de que fez parte) para conseguir uma “transformação estrutural da economia.” A trave-mestra do seu pensamento económico é a “obrigação de fazer escolhas quanto aos sectores e tecnologias a apoiar”. Ao contrário de outros temas, em que Santos é mais vago acerca do que promete (como é normal nos líderes partidários em eleições), esta é uma convicção profunda pessoal que vai caracterizar um futuro Governo que ele lidere.
A discussão sobre a capacidade de o Estado escolher bem os sectores e as tecnologias a apoiar, ou o seu sucesso a promover transformações estruturais, é um tema clássico. Podíamos discuti-lo em teoria, ou usando as experiências acumuladas pelo mundo fora, cobrindo todas as páginas deste jornal. Há bons argumentos a favor de um Governo que faça estas escolhas e que use a política económica desta forma. É natural que uma política industrial agressiva seja parte de um Governo socialista. Mas, no caso de Santos, a experiência dos últimos oito anos causa apreensão.
No que diz respeito a promover o “perfil de especialização” com “potencial de arrastamento da economia” (palavras de Santos) é difícil pensar num melhor exemplo do que a Efacec. Quando foi nacionalizada, em 2020, era uma empresa de ponta, tecnológica, exportadora. Três anos depois, teve prejuízos recorde na sua história, perdeu muitos clientes, e o número de trabalhadores caiu de cerca de 2500 para cerca de 2000. Depois de injetar cerca de €200 milhões na empresa, o Governo anunciou em junho a venda a um fundo de investimento, mas só depois de injetar mais €160 milhões. O acordo de venda (como sempre) só daqui a uns anos permite fazer as contas certas e, com muita sorte, o Estado pode recuperar algum dinheiro. Mas isso não pode servir para esconder a conclusão inevitável: o resultado foi péssimo.
Santos tem uma imagem de político executivo, “que faz”, e já teve o privilégio de liderar um Ministério onde pôde fazer. Nessas funções, ele esteve à frente da nacionalização da TAP, pela qual pagou dinheiro a um acionista no sector da aviação que conseguiu o feito extraordinário de receber dinheiro durante a pandemia. Como sabemos hoje, Santos geriu a empresa com rede curta, dando instruções regularmente à sua CEO. Qual foi o resultado? Em três anos, injetámos €3200 milhões na empresa. Os planos de privatização mostram que será muito difícil o Estado conseguir sequer €1000 milhões de volta pela empresa. Já li quem tenta fazer esquecer este descalabro financeiro, apontando para a recuperação nas vendas e no número de tripulantes. Mas esta recuperação aconteceu em todas as empresas de aviação, fruto do boom no turismo pós-pandemia. A Lufthansa e a Air France não só recuperaram tanto ou mais, como ainda pagaram ao Estado o apoio que receberam em 2020. Quer em termos absolutos quer relativos, a gestão de Santos da TAP foi um fracasso.
Mais ainda do que com a TAP, Santos como ministro empenhou-se e prometeu uma revolução na ferrovia. Os novos comboios que ia comprar nunca chegaram. De acordo com os jornais, o serviço não melhorou nada. Em termos financeiros, a dívida pública da empresa caiu porque... o Estado assumiu essa dívida. Pela primeira vez, ela deu lucro no ano passado porque... o Estado passou a transferir entre €80 e €100 milhões por ano para a CP como pagamento pelo seu serviço público. Ambas as decisões são aceitáveis, mas esconder o falhanço de Santos na CP é um descaramento. O seu grande sucesso na ferrovia foi a fazer telefonemas para o Ministério das Finanças.
Aqui há umas semanas descobrimos que Santos fazia parte de um plano para eventualmente comprar aos privados as ações dos CTT. Ao contrário de outros comentadores, não vi escândalo nisso. Mas, relembremos que a venda dos correios foi um dos melhores negócios que o Estado fez nestes dez anos. Recebemos €900 milhões por uma empresa que hoje vale cerca de metade disso. Tal como na TAP, receio que Santos, na sua consistência, queira novamente fazer um bailout que converta o fracasso privado num fracasso público.
Por fim, como ministro das Infraestruturas, Santos foi um dos promotores da empresa Start Campus. Se o seu discurso tivesse sido há seis meses, provavelmente o projeto de Sines seria usado como um exemplo do Estado a apoiar a tal transformação da economia, promovendo um centro de dados com energia renovável. Infelizmente, hoje é um exemplo também de que quando um Governo escolhe um campeão nacional e se empenha a facilitar o seu crescimento acabamos com um escândalo de corrupção.
Não há volta a dar, o historial pessoal de Santos como investidor em sectores estratégicos e como transformador de empresas públicas até hoje foi um desastre. Talvez melhore se ele for primeiro-ministro. Um facto bem documentado no estudo dos gestores de carteiras financeiras é que os homens (mas não as mulheres) têm um otimismo persistente nas suas capacidades, que resiste à acumulação de perdas atrás das perdas. Para alguns, este desvio da racionalidade é uma forma de carisma. Para gerir dinheiro, costuma ser algo a evitar.»
Repito(me) : este grunho é Dâmaso Salcede, versão sec.XXI...
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