25/10/2023

Os sem-abrigo são como uma folha em branco, cada um vê o que quer, por isso é que é tão bom para os políticos e para toda a gente

O título do post é uma frase de António Bento, psiquiatra e director do Serviço de Psiquiatria do Hospital Júlio de Matos, dita numa entrevista do ano passado. O artigo do Expresso «Sem-abrigo aumentam 78% em quatro anos» é um exemplo perfeito do que António Bento disse.

Numa peça com cerca de 1.400 palavras cita-se a certa altura alguém que diz «é claro que este aumento está relacionado com a crise da habitação», conclusão destacada pelos jornalistas e não fundamentada em nenhum ponto da peça. Mais à frente, esse mesmo alguém mostra ao que vem apresentando a sua tese: 
«É claro que este aumento está relacionado com a crise da habitação. Sofremos uma pressão cada vez maior de pessoas ainda com casa a pedir-nos ajuda porque vão ser despejadas, o que não acontecia há anos».
Não faria sentido acrescentar-me à longa lista dos "especialistas" encartados em achismos e garantir que a crise da habitação não é causa do aumento do número dos sem-abrigo, apesar de não encontrar quaisquer evidências disso e me parecer mais realista o que outros "especialistas" apontam, como o aumento do número de imigrantes. 

Ainda assim, não resisto a citar mais uma passagem da entrevista a António Bento:
«(...) eu nunca vi pobres na rua, é muito difícil ver isso, mas admito que se houver um terramoto como o de 1755 possa haver.  (...)

Os sem-abrigo são como uma folha em branco, cada um vê o que quer, por isso é que é tão bom para os políticos e para toda a gente: se eu for uma pessoa com compaixão, eles servem para servir a minha compaixão, se eu for político, servem todos os políticos: os governos em funções, a oposição, e ainda os jornalistas e o povo. E quem quiser culpar os sem-abrigo também tem bons exemplos. Não digo que sejam mitos, mas cada um vai buscar a verdade que quer, como se fosse o todo.»

E também não resisto a registar este como mais um exemplo da falta de profissionalismo dos sociólogos de pacotilha que proliferam no Portugal dos Pequeninos, não sabem contar nem fazer contas e masturbam-se com especulações teoréticas em vez de darem corda aos sapatos, irem para o terreno fazer inquéritos, recolher dados e produzir estatísticas que suportem estudos quantitativos e fundamentem as políticas públicas adequadas.

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