22/03/2023

Da paixão socialista pela ópera nasceu o Opart, um aborto que produz abortos

Jorge Calado, entre muitas outras coisas, como professor, cientista e investigador, um melómano em geral e um amante de ópera em especial, escreveu o que se segue sobre a obra da cóltura socialista no Teatro Nacional de São Carlos. Só posso concordar.

«Suspeito que o São Carlos seja hoje o pior teatro nacional de ópera na Europa, ignorado pelas revistas da especialidade. (...)

Além de ignorância cultural, o atual TNSC sofre do chamado ‘problema parasitário português’, definido há quase um século por Augusto Reis Machado como uma “organização caracterizada pelo predomínio de grupos de indivíduos que exclusivamente tratam dos seus interesses em detrimento dos interesses gerais”. O pecado original remonta a 2007 com a invenção do Opart ou Organismo de Produção Artística — uma hidra de sete cabeças que deveria gerir os teatros nacionais (teatro, ópera e dança) em Lisboa e no Porto, e ‘o mais que adiante se veria’. Para desgraça da ópera, ficou com o São Carlos, funcionando como agência de jobs for the boys and girls. (Compare-se o número de funcionários do Teatro antes e depois e as respetivas produtividades.) Recordo apenas que os primeiros administradores nomeados se dirigiram ao São Luiz para tomar posse, pensando que era o São Carlos; houve depois um administrador que se mudou para Madrid (creio que por razões sentimentais), obrigando um funcionário do teatro a ir lá regularmente para assinatura da papelada. Outros têm usado as mais-valias do edifício, incluindo o Salão Nobre, para os seus negócios particulares, etc.

Decorre agora um concurso internacional (?), com um júri integralmente nacional (!) cabeceado pela presidente do Opart — juíza em causa própria? — para a nomeação da ou do próximo diretor artístico. Dos cinco elementos, apenas um é musicólogo! Quanto às 19 páginas de um arrazoado caricato intitulado ‘procedimento de seleção’ — intraduzível em língua decente — não passa de um ataque de ‘burrocracite’ aguda capaz de afugentar qualquer candidato culto, com dois dedos de inteligência. A má e delirante escrita reflete a incapacidade de pensar de quem o redigiu. Pelos lidos, ficamos a saber que acreditam que arte não é cultura (como reza o exercício prospetivo da atividade artística e cultural). Se não sabem pensar, muito menos saberão escolher. (...)

A conclusão é óbvia: deliberadamente não querem resolver o problema, para que tudo fique na mesma. Isto é, com o ignorante Opart como controleiro, à moda soviética. Serão elas e eles a determinar o que o diretor artístico fará. Nestas condições, o TNSC é irreformável. Só enxergo uma solução: começar novamente do princípio, com gente séria e capaz. Se José Sasportes vê a atual situação como comédia — na verdade, esta gente não merece mais do que troça — eu encaro-a como tragédia.»

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