29/12/2022

Mitos (327) - O socialismo lusitano é menos "solidário" do que o capitalismo americano e muitos outros capitalismos

Continuação do mesmo mito.

«Não cessa de me surpreender a generalizada falta de noção dos rendimentos dos portugueses das classes médias e baixas. Há casos avançados de falta de noção, como o do senhor do CDS que esta semana nos disse que o país real é constituído por casais de 30 anos, com dois filhos no colégio privado e empregada doméstica. Mas, na verdade, esta falta de noção é generalizada no debate público e manifesta-se quer nos órgãos de comunicação tradicionais quer nas redes sociais.

A falta de noção resulta em constantes indignações perfeitamente ignorantes quando, de alguma forma, membros das classes mais altas são penalizados. Foi assim com alguns dos cortes feitos no tempo de Passos Coelho, foi assim quando Mário Centeno disse que quem ganhava dois mil euros por mês estava numa posição altamente privilegiada. Foi assim quando Susana Peralta falou em tributar a burguesia do teletrabalho.

Esta falta de noção tem consequências: muitas das nossas políticas públicas, que, supostamente, serviriam para apoiar as classes mais baixas, são, ao invés, dirigidas às mais altas. Há uns anos, ao ler um relatório da OCDE, vi um gráfico, que reproduzo neste artigo, que ilustra este problema na perfeição. Se não fosse chocante, seria hilariante.

Mais de 40% das transferências monetárias feitas pelo Estado português vão para indivíduos que estão no grupo dos que têm maiores rendimentos. Não estamos a falar de serviços públicos, estamos mesmo a falar de transferências monetárias. Já o quintil mais pobre recebe 11% das transferências.

Os dados do gráfico do lado são de 2016. Não há dados mais recentes, mas, como nada de substancial mudou desde então, estes servem para perceber como o nosso sistema fiscal é esquizofrénico. Ao mesmo tempo que é agressivamente progressivo, com taxas de IRS que rapidamente aumentam com o rendimento, também distribui em primeiro pelos que ganham mais. Mais valia a progressividade ser menor e, simultaneamente, fazer menos transferências. Poupava-se um sem-número de ineficiências.»

«A Nova Zelândia de pernas para o ar», Luís Aguiar-Conraria

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