22/10/2022

As raízes da rejeição da democracia e da devoção pela tirania

Paulo Tunhas escreveu há dias  no Observador sobre «O amor da tirania», um tema que me fascina por não ter até hoje encontrado uma boa explicação pelo fascínio pelas tiranias e pela devoção dos tiranos, ou candidatos a tiranos, de que sofrem, digamos assim, milhões de criaturas um pouco por todo o mundo. 

No geral tendo a concordar com Paulo Tunhas, excepto na sua conclusão de que o móbil da rejeição da democracia («num sentido lato e convenientemente impreciso») é o amor à tirania o que ele explica assim: 

«Muita gente discute se o motor desta rejeição da democracia e da liberdade tem uma origem primeiramente negativa ou positiva. Dito de outra maneira: se aquilo que verdadeiramente a motiva é a detestação dos Estados Unidos e do Ocidente ou o puro amor pela força bruta e pela mentira incondicionada de que esta se serve para atingir os seus fins. Bom, é certo que nenhum dos factores é completamente isolável do outro. Mas é verosímil que seja o elemento por assim dizer positivo que represente a força dominante. A afirmação é, regra geral, prévia por relação à negação. O amor da força bruta – o amor da tirania – goza de uma certa precedência por relação à rejeição da liberdade. A força bruta e a mentira alucinada que a acompanha como justificação oferecem um excesso de sentido que satisfaz muitos espíritos. São uma pura afirmação liberta das condições limitativas da razoabilidade. No acto do seu exercício e na curiosa libertação que nos garantem face à obrigação do respeito pelos factos. Amar a tirania é, para o egoísmo lógico em geral – tanto o inconsequente quanto o consequente, e sobretudo para este último -, mais satisfatório do que amar a liberdade. A tirania do Eu encontra nesse amor uma ilimitação que dificilmente o amor da liberdade lhe permitiria.»

Sendo certo que também considero que «nenhum dos factores é completamente isolável do outro», tendo a concluir que é ódio à democracia que motiva o fascínio pelas tiranias e pela devoção dos tiranos. Ódio que, em boa verdade, possivelmente não é tanto à democracia em si mas às suas talvez inevitáveis consequências, nomeadamente as que essas criaturas abominam, como a relativização do que acham é a moral e os bons costume (a "libertinagem") e o questionar da autoridade (a "anarquia"), para dar dois exemplos.

E chego a essa conclusão por duas ordens de razões. Por um lado, porque tenho dificuldade em compreender que alguém possa ter fascínio por tiranias e devoção por tiranos quando são tão visíveis as consequências da privação das liberdades, dos abusos de autoridade, da violência contra os cidadãos, da intolerância das divergências e em última instância da pobreza ou mesmo da miséria que quase sempre resulta das tiranias que não desfrutam da "maldição dos recursos naturais". 

E também porque compreendo melhor que essas criaturas rejeitem os excessos e os abusos da liberdade que frequentemente coexistem com a democracia e tenham dificuldade de aceitar racionalmente que a democracia não é perfeita e é simplesmente a forma de governo menos má ou, como concluiu Churchill, a pior com excepção de todas as outras.

Finalmente porque a evidência empírica parece mostrar que nas sociedades democráticas onde as diferenças ideológicas são mais exacerbadas e as guerras culturais entre os clãs mais intensas é o ódio a certas ideias e a certos valores que constitui o motor principal dos extremismos, mais do que a identificação positiva, isto é o amor, pelas tiranias.

2 comentários:

  1. Caros senhores, a vossa argumentação é uma abóbora.
    A ausência de “democracia” não é necessariamente uma tirania, como tentam fazer crer. Caso contrário, dos 879 anos que contamos como pátria, teríamos de considerar que vivemos 815 em “tirania”, o que é um absurdo gigantesco. Já quanto aos 64 anos restantes, onde se incluem os desatinos da Primeira República e a corrupção da Abrilada, têm em comum a tentativa de destruir Portugal – que finalmente foi alcançada. Foi para isto que serviu a “democracia”.
    Liberdade não tem nada a ver com “democracia”. Hoje em dia, quanto mais se enche a boca com “democracia” cada vez existe menos liberdade – e é preciso ser muito abóbora para acreditar no contrário.

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  2. «Ódio que, em boa verdade, possivelmente não é tanto à democracia em si, mas às suas talvez inevitáveis consequências, nomeadamente as que essas criaturas abominam, como a relativização do que acham é a moral e os bons costume (a "libertinagem") e o questionar da autoridade (a "anarquia"), para dar dois exemplos.»

    Sou capaz de dar razão ao ‘Impertinente’ no que se refere à “moral e os bons costumes”, mas no que se refere ao “questionar da autoridade”, nem pensar!

    O que se observa nas democracias ocidentais é que o rebanho segue convictamente tudo aquilo que a televisão lhe puser à frente. Quem não o fizer, tende a ser cada vez mais ostracizado, despedido, e até impedido de exercer direitos básicos. Vimos bem isso durante a pandemia covideira. Em democracia, o autoritarismo das ditaduras é substituído por um autoritarismo mais dissimulado em que aqueles que controlam o fluxo da informação, que são aqueles que têm mais dinheiro, ditam as regras. Ou seja, substitui-se a ditadura do partido único por uma ditadura da oligarquia.

    E nem sequer é garantido que, em democracia, as pessoas poderão contrariar livremente a narrativa instituída, como descobriram aqui em Portugal o André Ventura ou a Fátima Bonifácio.

    Ainda assim, concordo que a democracia é preferível à ditadura, desde que haja realmente democracia, i.e. desde que haja liberdade de expressão e os direitos e deveres sejam iguais para todos os cidadãos. Faço notar que não é isso que temos aqui em Portugal, nem em muitos países ocidentais que se dizem democracias!

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