20/05/2021

O que mostra o relatório do Tribunal de Contas sobre o Novo Banco. O ponto de vista arrasador de um outsider

«No fundo o relatório não tem novidades, o relatório vem confirmar aquilo que era um conjunto já de considerações que todos suspeitávamos e que na verdade o que vem dizer é que tudo no cenário mais benevolente, e vamos ser benevolentes, é de um amadorismo e de uma falta de profissionalismo absolutamente atroz. Mesmo em relação àquilo que foi a forma como os vários governos, quer o governo Passos quer o governo Costa, anunciaram isto ao país, era já claro que quando o governo Passos insistiu em 2014 que isto não tem custos para os contribuintes e o governo Costa depois diz exatamente o mesmo em 2016-17, todos sabemos que isso não é verdade. Portanto isso revela, como o próprio TdC vem depois confirmar, uma enorme iliteracia financeira e, portanto, no mínimo o que teríamos a dizer que governo Passos e o governo Costa são ignorantes, pessoas ignorantes que não sabem do que estão a falar, porque obviamente que havia custos, isso era óbvio. O debate era se os custos são muito altos ou não são e isso leva à segunda confirmação pelo tribunal de contas de que os governos não consideraram as soluções foram adotadas por qualquer tipo de análise custo-benefício ou por qualquer tipo de consideração de cenários alternativos tendo concluído que este cenário era o cenário mais apropriado, mas apenas por achismos e outras considerações.

Na minha perspectiva quais são as duas grandes tramas que este relatório bem mostrar? Primeiro, que toda esta operação do Novo Banco desde 2014 é uma operação que está suportada em pseudo trabalho técnico por parte de sociedades de advogados famosas de Lisboa que custaram muitos milhões, não é centenas, é muitos milhões de euros, ao BdP e a outras instituições e o que isto veio demonstrar é que todo esse tecnicismo afinal é amador e achista, ou seja não existe, esse tecnicismo não existe. Pagámos milhões por um tecnicismo que não existe.

Segundo, vem confirmar suspeitas que todos já tínhamos de que nada do que é feito desde 2014 é por ordem do banco central. A desculpa de que é o Eurosystem e de que é o banco central, esses malvados em Frankfurt, que mandam o BdP fazer é o contrário. O banco central simplesmente fecha os olhos, não quer saber, dada a pequeníssima dimensão que isto tem na Europa e permite ao regulador português fazer o que quiser. O banco central limita-se a proteger as costas do regulador português. E, portanto, a responsabilidade é inteiramente dos reguladores portugueses, não é do banco central, não é de Frankfurt, não é desses malvados que estão lá longe e isso leva-me à última consideração que é mais grave de todas

É que nada disto têm consequências, nem consequências técnicas nem regulatórias, nada aconteceu nos reguladores, aliás acresce aqui uma vertente gravíssima mas continuamos a escamotear, que é obviamente o BdP que tem neste momento um conflito de interesses monumental porque o governador do BdP é ele directamente visado neste relatório e ele próprio vem dizer, a instituição dele vem dizer, que o relatório é uma porcaria, não interessa. A última pessoa que pode falar disto é Mário Centeno, porque é obviamente visado neste relatório. Como é que Mário Centeno e o BdP vêm opinar sobre o relatório? Não há consequências técnico-regulatórias nenhumas e não há consequências políticas e quando digo consequências políticas não estou só a dizer que haja consequências em termos da natureza dos titulares de cargos políticos, quero dizer os eleitores não querem saber disto para nada, vão pagar, vão pagar muito por isto e não há consequências políticas.»

Nuno Garoupa, professor de Direito na Universidade George Mason, Washington, numa intervenção no programa "Pensamento Crítico" do Jornal Económico [transcrição por reconhecimento de voz] 

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