Continuação deste apodrecimento.
«A história do Acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional, de que falei aqui na semana passada e que Ivo Rosa utilizou para mandar abaixo toda a Operação Marquês (com o argumento de que o prazo de prescrição para os crimes de corrupção activa começou a contar em 2006, e portanto tudo estava prescrito), ficou ainda mais interessante com as informações reveladas pelo programa da RTP Sexta às 9.
Em primeiro lugar, ficámos a conhecer o nome do advogado que interpôs o recurso junto do Tribunal Constitucional (TC) a que Ivo Rosa se agarrou com grande entusiasmo. Chama-se Rui Patrício, e é um ás na sua profissão. Em 21 de Março de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça tinha condenado um cliente seu a cinco anos e sete meses de prisão pela prática de nove crimes de corrupção a activa e dois crimes de peculato (trata-se de um caso de processos de falência que não envolveu figuras públicas). Em meados de 2018, o advogado recorreu ao TC, argumentando que os crimes de corrupção estavam prescritos.
Graças a Deus, a justiça nem sempre é lenta, e o TC deu-lhe razão a 6 de Fevereiro de 2019. Numa jogada de mestre, Rui Patrício ganhou em vários tabuleiros: inocentou directamente o cliente das falências com aquele acórdão, e inocentou mais três clientes por tabela. Como? Simples: Rui Patrício é também advogado de Hélder Bataglia, de Bárbara Vara (filha de Armando Vara) e de Rui Horta e Costa (ex-administrador do empreendimento de Vale do Lobo), todos eles não pronunciados por decisão de Ivo Rosa com base no Acórdão 90/2019, que lhe caiu no colo a meio da instrução da Operação Marquês.
Mas há mais. Graças ao Sexta às 9, ficámos também a saber por que razão Manuel da Costa Andrade, então presidente do Tribunal Constitucional (abandonou este ano o cargo), não participou (e bem) na decisão da 1.ª secção do TC. Costa Andrade estava impedido de o fazer, porque em Novembro de 2015 assinou um parecer encomendado por Rui Patrício, no qual defende a tese da prescrição dos crimes de corrupção a partir do momento da promessa, invocando para isso o respeito pelo princípio da legalidade, argumento central utilizado pelo Juiz relator Cláudio Monteiro no Acórdão 90/2019.
Esse parecer, curiosamente, não foi assinado só por Costa Andrade. Foi assinado também pela professora Cláudia Cruz Santos, actual deputada do PS, e não por acaso citada pelo próprio juiz Cláudio Monteiro, ex-deputado do PS, no Acórdão 90/2019. Como se as coincidências não bastassem, ainda há mais uma: Manuel da Costa Andrade, ex-deputado do PSD, é pai de João Costa Andrade, advogado de José Paulo Pinto de Sousa, o fidelíssimo primo de José Sócrates, que também escapou à pronúncia.
Há quem afirme que o mero elencar destes factos é uma forma ínvia de pôr em causa a reputação de pessoas respeitáveis, sobre as quais não recai suspeita alguma. Deixem-me esclarecer que não é a reputação das pessoas que está em causa, mas esta bambochata de ligações familiares, financeiras ou políticas. Somos um país dominado por uma elite minúscula que vive em circuito fechado, pejada de conflitos de interesses, porque o advogado já encomendou pareceres ao juiz, o filho seguiu as pisadas do pai, a professora esta no parlamento a sonhar com o TC (com uma perninha no futebol) e o político, o banqueiro ou o grande empresário que de repente é apanhado sabe muito bem a que portas ir bater para se safar. Isto é o sistema. Não foi criado por Sócrates . E continuará muito para além dele.»
"O votismo e o parlamentarismo são,em Portugal pelo menos,os agentes mais destrutivos de toda a competência administrativa. Desde 1836 até hoje,toda a história do liberalismo português subsequente à ditadura filosófica de Mousinho da Silveira é a flagrante demonstração da nossa incapacidade governativa dentro de um regime parlamentar.Dessa estagnação do pensamento nacional na esfera governativa nasceu a progressiva corrupção dos caracteres poluídos e dos costumes progressivamente rebaixados,dando em resultado final a podridão profunda em que nos afundamos."
ResponderEliminarRamalho Ortigão in As Farpas na República de 1911