17/12/2019
Algumas prostitutas têm mais integridade do que alguns jornalistas
«... nós jornalistas adoramos criticar a corrupção e denunciamos os empresários quando não fazem bem as coisas, e denunciamos o sistema judicial, até podemos afundar um restaurante com uma crítica negativa. Mas não gostamos nada de falar de nós próprios, nunca o fazemos, não fazemos autocrítica. E em Espanha, como havia um código de silêncio sobre a imprensa, o nosso gueto, o nosso establishment, não saía nada sobre o que se estava a passar. No entanto, a corrupção que denunciávamos na política tinha-se propagado ao jornalismo. O nepotismo que denunciávamos estava nas redações. Muitos dos que denunciavam estavam também avençados ou recebiam ofertas regulares, vendiam-se. (...)
Não é só dependência política, ou a corrupção de renunciar aos princípios de interesse público do jornalismo em troca de interesses económicos. Falo de jornalistas que recebem dinheiro e avenças de empresas sobre as quais escrevem. Noutro dia estive com os dirigentes de um clube da 1ª divisão do futebol espanhol e disseram-me: “Quando chegámos, o que nos surpreendeu foram os gastos no orçamento para comprar jornalistas”. Avenças aos jornalistas desportivos para não criticarem os dirigentes. Isto converteu-se numa norma em Espanha. Ou por exemplo as viagens em que grandes empresas levam jornalistas a ver jogos dos mundiais de futebol. São jornalistas que se deparam com situações em que terão de falar dessas empresas. Se aceitaste essa viagem, isso compromete a tua independência. Mas não é o mesmo aceitar uma viagem que cobrar uma avença de uma empresa. A Telefónica, durante muitos anos, pagou avenças a 80 dos jornalistas mais conhecidos de Espanha. Tinha um presidente muito controverso, mas não encontrarás uma só crítica em todos os meios espanhóis durante todos os anos em que ele esteve à frente da empresa. É quase impossível. E é por isso. O que ofende muitos companheiros é eu dizer que em Espanha não é possível comprar um jornalista, mas pode alugar-se um.»
Da entrevista de David Jimenez, ex-director do El Mundo, ao Observador
Evidentemente que este retrato vale também para Portugal onde é dominante o jornalismo de causas, confessáveis e inconfessáveis. Dirão, mas isso é o problema do jornalismo, do sistema, não é dos jornalistas. Lamento discordar. O sistema não é desculpa para a falta de profissionalismo, integridade e independência e sem jornalistas profissionais, íntegros e independentes não há jornalismo profissional, íntegro e independente.
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