Outras preces
«Quero dizer, no entanto, que Marcelo é e nunca deixou de ser um produto intelectual do Estado Novo, que por muito que se entusiasme com “o povo” e aprecie o “contacto” com “as pessoas”, desconfia instintivamente delas, ao mesmo tempo que sendo um político que não fez nem faz outra coisa para além das intrigas de corredor e gabinete de uma “classe política” obcecada com a “politiquice”, desconfia instintivamente dessa “classe política”, da sua tendência natural para essa “politiquice”, e da incapacidade do “povo” para não ser enganado pelas artimanhas da dita “classe”.
E como poderia ser de outra maneira? Como poderia Marcelo não desconfiar dos “políticos” e do “povo” que os observa, quando todos os dias se olha ao espelho, e todos os dias vê nas sondagens a sua estratosférica popularidade? Como poderia Marcelo não desconfiar das “pessoas” e de uma “classe política” que as “manipula” em prol das suas ambições pessoais, quando sabe que ele próprio manipula “as pessoas” em prol das suas ambições pessoais, e vê “as pessoas” deixarem-se levar pelo seu engodo?
Como poderia Marcelo não desconfiar da possibilidade de “os políticos” sacrificarem políticas potencialmente eficazes em detrimento da sua popularidade, quando o próprio Marcelo sacrifica a defesa da normal alternativa democrática em detrimento da sua popularidade? No fundo, a falta de apreço de Marcelo por essa normal alternativa democrática é também um sintoma de uma enorme falta de apreço por si próprio. Não admira que sinta uma tão grande necessidade de aprovação popular.»
Excerto de «O Presidente e os consensos», Bruno Alves no Jornal Económico
Por falar em consenso, em tempos definimos-lo assim no Glossário:
Consenso (politiquês)
Um acordo virtual, sobre matérias que não se sabe exactamente quais são, mas sobre as quais se suspeita existirem opiniões muito diferentes, que nenhuma das partes está muito interessada em conhecer. Durante o processo de procura do consenso todos se sentem obrigados a fingir boa vontade para chegar a resultados práticos que, em definitivo, ninguém quer chegar.
Há dois desfechos possíveis para o consenso: o positivo e o negativo (em rigor equivalem-se nos efeitos finais). No consenso positivo concorda-se com «grandes princípios», o que entre gente sem princípios não significa o que significa. No consenso negativo concorda-se que não se concorda, por a outra parte estar de má fé como se demonstrou durante o processo negocial (quem está de má fé é afinal o único ponto insusceptível de consenso).
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