Paz social
Depois da pacificação muito celebrada atribuída aos dotes do ministro Pedro Nuno Santos, os motoristas de matérias perigosas voltaram a anunciar uma greve a partir de 12 da Agosto. Desta vez a coisa foi entregue ao secretário de Estado da Energia, João Galamba que confessou, quando ascendeu ao governo, com um grande sentido de humor involuntário, «como pessoa de esquerda encontro na área da energia o sonho de qualquer esquerdista».
Podemos pois dormir tranquilos e aguardar com serenidade. A criatura declarou peremptoriamente que estava «a criar as condições para, se necessário, montar um sistema logístico alternativo de distribuição de combustíveis».
Boa nova
Com o fim da legislatura e aproximação das eleições, o anúncio de boas notícias intensificou-se culminando na apresentação do programa eleitoral do PS que é por definição o lugar geométrico dos pontos dos amanhãs que cantarão espraiados por 140 densas páginas. Passemos em revista alguns deles.
Aumentará o investimento público (56%), aumentarão os salários da freguesia eleitoral, diminuirão os impostos da classe média e das PME (uma tentativa de adicionar à freguesia eleitoral alguns contribuintes e pequenos empresários crédulos e distraídos), consultas aos sábados nos centros de saúde (o que deu um mega-título de primeira página no semanário de reverência), vale para a compra de óculos até aos 18 anos (prescritos numa consulta do SNS que terá lugar muitos meses ou anos depois...), cheque dentista para as crianças entre 2 e os 6 anos (se for no SNS, quando chegar a vez da consulta já lhe caíram os dentes às criancinhas), expandir os metropolitanos e comprar material circulante com fartura, luta sem tréguas contra a corrupção (o «princípio dos quatros olhos» é para ser aplicado a dois pares de olhos de familiares?), introdução de círculos uninominais (já estava no programa anterior e foi deixado cair por causa de geringonça, possivelmente vai ter o mesmo destino).
À margem da boa nova programática, durante a semana foram ainda anunciados 100 projectos para o Programa Nacional de Investimento para 2030 onde se inclui uma ressuscitada terceira travessia sobre o Tejo.
Falámos dos amanhãs que cantarão, passando dos anúncios às realizações a coisa é menos empolgante mas podemos creditar aos deputados da geringonça a aprovação de incentivos financiados pelo Fundo Ambiental aos restaurantes e hotéis para comprarem cinzeiros para combater as beatas (não, não é uma reedição das campanhas dos socialistas republicanos).
E então, as boas novas não se materializam?, perguntareis. Umas, sim, outras, não. Geralmente as que se materializam são as destinadas à freguesia eleitoral, como reposições, descongelamentos, restituições, etc. As outras, nem por isso. Veja-se por exemplo a boa nova das medidas para apoiar a reabilitação urbana: em Abril de 2016 o Dr. Costa prometeu prometia 1,4 mil milhões de euros, passado um mês aumentou a promessa para 2,7 mil milhões de euros. O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado reabilitaria 7.500 habitações, poucos meses já só eram 2.700. «Em dezembro último ainda estava a “ganhar forma”. Até hoje, não se viu uma única casa». Para mais detalhes recomendo a leitura do artigo do presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana até 2017.
Já virámos a página da austeridade
Enquanto os amanhãs não chegam, temos algumas pequenas dificuldades nos hojes, tais como: um aumento de mais de 70% para 47 milhões dos medicamentos em falta nas farmácias só no primeiro semestre; um aumento do número de «utentes», que ultrapassa 700 mil, sem médico de medicina geral e familiar e além dos buracos já conhecidos nas empresas públicas, os auditores do Metropolitano de Lisboa suspeitam que as contas desta venerável instituição, que tem a estação de Arroios fechada há dois anos para fazer obras que ainda não começaram, incluem um crédito sobre o Estado de três milhões de euros, relativo a infraestruturas de longa duração, com uma «importante incerteza quanto à recuperação», um eufemismo para concluírem que o Metro nunca verá esse dinheiro.
O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas queixa-se que a falta de tropa «é insustentável» e dá como exemplo a missão de paz na República Centro Africana da qual só sobraram 60 comandos. Está a queixar-se sem razão porque, como disse o ministro da Defesa, se fosse assim ele já se teria demitido, sem falar que os 60 comandos que restam para defender a Pátria chegam e sobram porque, como certamente lhe explicaria o capo dei capi militari aquartelado em Belém, os comandos portugueses são os melhores dos melhores do mundo.
O presidente da CRESAP também se queixa da falta de recursos humanos, mas ainda com menos razão do que o CEMGFA porque o recrutamento e selecção para a administração pública é completamente supérfluo e pode ser substituído com vantagem pela agenda de contactos do Dr. Carlos César, que aliás já anunciou que não vai ser deputado e ficará disponível no governo para escolher os quadros entre a numerosa família socialista.
As dívidas não são para se pagar, foi isto que ele aprendeu
Confirmando que a Drª. Cristina Casalinho, presidente do IGCP, é a pessoa mais importante da administração pública ou pelo menos a mais mediática (cada uma das muitas emissões de dívida pública é anunciada em todos os jornais com foto sua), a semana passada teve lugar mais um leilão de 1,5 mil milhões de euros de dívida a 6 e 12 meses, com taxas negativas, graças ao Super Mario residente em Frankfurt.
Então não estamos a crescer mais do que a Óropa?
Depende de qual Europa. Se falamos da Europa dos pobrezinhos de que fazemos parte, a resposta é não estamos a crescer mais, pelo contrário, estamos a ficar para trás dos sobreviventes do colapso do Império Soviético, o que, se fosse mauzinho, me levaria a dizer que o capitalismo pendurado no Estado praticado em Portugal é uma herança mais pesada do que a do comunismo, como se pode confirmar no diagrama seguinte publicado pelo Expresso.
Segundo o INE, a economia portuguesa continua a desacelerar e apresentou em Maio uma taxa de crescimento homólogo de 1,9%, a mais baixa desde Outubro de 2016. Se não fosse a boa nova do ministro da Economia já ter anunciado ao parlamento «uma aceleração, relativamente ao trimestre anterior», ficaríamos preocupados. Assim, ficamos desapontados com a realidade que parece alhear-se das palavras do ministro, ainda para mais amigo do peito de Costa. Por curiosidade, o diagrama acima é publicado no contexto de uma entrevista ao ministro da Economia que ostenta um sorriso de auto-satisfação numa foto ocupando o equivalente a uma
Ainda não é o mafarrico, mas já se sente o cheiro das brasas
Recordo que o último resgate de 2011 se tornou necessário porque no final de mais de uma década com os chamados défices gémeos (défice das contas públicas e das contas externas) os mercados deixaram de financiar o Estado e a economia portuguesa, um e outra endividados até ao tutano.
Se, apesar da generosidade com que o governo está a tratar a freguesia eleitoral que ocupa a máquina administrativa, as contas públicas estão equilibradas graças à magia cativante do Ronaldo das Finanças, as contas externas, depois de alguns anos equilibradas, voltaram ao vermelho com o défice das balanças corrente e de capital a atingir até Maio 2,6 mil milhões de euros, duplicando em relação ao mesmo período de 2018, influenciado pelo aumento de 1,9 mil milhões do défice da balança de bens e a redução de 25 milhões do superavit da balança de serviços.
Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
Quem não parece preocupado com o futuro são os consumidores que se não acreditam nos amanhãs que cantam pelo menos, pelo menos consomem como se não houvesse amanhã. Segundo o BdP, o crédito ao consumo bateu um novo recorde em Maio atingindo 672 milhões de euros e a venda de casas, segundo o INE, atingiu em 2018 o número mais elevado desde que existem dados com um preço médio por metro quadrado 7% superior ao de 2017.
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