«Durante quase dois anos e meio, o Governo disse uma coisa e fez outra, como se alertou várias vezes neste espaço a partir determinada altura. Reduziu o défice público e caminha para o excedente orçamental, está a conseguir controlar a dívida e tem consciência que está longe de ter o problema das contas públicas resolvido. Mais do que tudo isso, concretizou em 2017 uma política orçamental que segue as melhores práticas de política económica: contra-cíclica, como salienta o Conselho de Finanças Públicas.
Fez tudo isso à socapa, dizendo que não o estava a fazer – afinal estavam a ser repostos rendimentos com a eliminação dos cortes salariais na função pública e das pensões e o fim da sobretaxa. E como é que se concretizar uma política de redução do défice público mascarada de expansionista, como se finge que não se está a fazer fazendo? Cortando em despesa pública que não tem representantes, que não está capturada, que é de todos e não é de ninguém. Despesa pública que só se nota que faz falta a prazo. É assim que chegamos aos cortes no investimento público.
O importante, dirão os pragmáticos, é atingir os objectivos. Os meios com que se atingem esses objectivos não são relevantes. Se é preciso fingir, finge-se. Se é preciso cortar em despesa, que se corte na que não tem associações ou sindicatos que a defendam. Esta pode ter sido a táctica que conseguiu conciliar os objectivos económico-financeiros (de redução do défice e conquista da confiança na economia) com os objectivos políticos (de conquista e estabilização do poder). E deste ponto de vista António Costa e Mário Centeno foram brilhantes na frieza com que traçaram e concretizaram este caminho. Mesmo sabendo que, se corresse mal, o país pagaria um preço elevado. Mesmo sabendo que não estava a dizer toda a verdade ao seu povo. Mesmo sabendo que cortar despesa pública sem voz é desproteger os mais frágeis, os que precisam dos serviços públicos básicos. Mas tudo isso só se vê a prazo, como só a prazo um dia o povo poderá perceber os fingimentos.»
Excerto de «Temos um novo António Costa?», Helena Garrido no Observador
Acrescente-se que o sucesso desta mistificação só foi possível aproveitando a extrema infantilização do eleitorado português com a cooperação do jornalismo de causas que infesta as redacções arregimentado à volta da geringonça. E não, o importante não é apenas atingir os objectivos. O que distingue as sociedades democráticas é que nem todos os meios são legítimos.
De resto, os objectivos, isto é as metas que foram fixadas no programa de governo, não foram atingidos: a austeridade não terminou, modificou-se; o investimento público não aumentou, reduziu-se significativamente; a descapitalização da economia prosseguiu e o crescimento não foi por via da distribuição de rendimentos e do consumo, como pretendia o PS, mas por via do turismo e das exportações. E quando chegar a próxima crise - a única certeza quanto às crises é que acabarão por chegar - já não teremos os 170 mil milhões de dívida pública que tínhamos no início do resgate de 2011 mas 250 ou 300 mil milhões.
"Acrescente-se que o sucesso desta mistificação só foi possível aproveitando a extrema infantilização do eleitorado português com a cooperação do jornalismo de causas que infesta as redacções arregimentado à volta da geringonça."----------------------------------E claramente continua,com a ajuda também de todas as distracções/alienações da sociedade "pós-moderna"(não é por acaso que vemos os ditos "representantes políticos" a promover quase todos os dias os vários "circos" montados,seja o futebol sejam os festivais(das canções e afins)etc etc).
ResponderEliminarNo observador, o título 'assassino' do senhor hífen conraria era dito nos anos 80 do século passado assim:
ResponderEliminarNem Ford nem sai de Simca.
C'est ça.