Costumo dizer que devo tudo o que sou aos meus professores. Mas, pré-adolescente ou adolescente, sabia que tinha de estudar a sério pois o meu futuro dependia disso; e que se não me preparasse com seriedade podia chumbar no liceu público onde estudava. E sabia que se tivesse uma má nota, a minha Mãe não ia protestar com os professores, mas castigava-me a mim.
Hoje teriam dado cabo do meu futuro.
Sem faltas, iria jogar bilhar ou futebol; sabendo que não podia chumbar, iria viver dos rendimentos gerados com alguma atenção nas aulas e algumas leituras de sinopses coladas com cuspo.
Nos anos formativos tornar-me-ia num analfabeto cultural, um preguiçoso preparado para viver de expedientes, uma besta-quadrada a aprender reivindicações a ver a mãezinha a berrar com os professores, até que estes já fartos disso e quantos deles também “analfabetizados”, nos dessem a todos as notas que sossegariam a sua vida e destruiriam as nossas.
Quando vejo Mário Nogueira e as suas tropas — disse-o no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, e repito agora — descubro que não quero os meus netos entregues a estes sindicalistas do berro, que nunca gritam exigindo rigor, estudo, trabalho aos estudantes, que nunca reivindicam o direito a chumbar, a fazer provas, a censurar duramente os disparates e as bestialidades dos seus alunos.
E não me venham com as dificuldades sociais para legitimar a bandalheira. Estudei numa escola primária pública na zona mais pobre de Coimbra. Quase todos os meus colegas ao fim da 4ª classe foram trabalhar e roubaram-lhes a infância. E no liceu alguns dos meus colegas vinham de longe, em casa tinham pais analfabetos ou — como se dizia então — capazes de ler as letras gordas e que trabalhavam mais do que seria razoável para dar aos filhos um futuro melhor.
É por isso muito ofensivo comparar os desfavorecidos de hoje com os desses tempos de miséria, pobreza extrema, abusos, insalubridade, casas sem água corrente, com uma cama onde tinham de dormir num quarto sem janela pais e irmãos. E, apesar disso, o ensino público exigia-lhes trabalho e esforço e com isso colocava-os num ascensor social que era muito imperfeito, mas que não era pior do que hoje.»
José Miguel Júdice, no comentário no Jornal das 8 da TVI (fonte)
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