11/02/2018

QUEM SÓ TEM UM MARTELO VÊ TODOS OS PROBLEMAS COMO PREGOS: O alívio quantitativo aliviará? (59) Unintended consequences (XIX)

Outras marteladas.

Em retrospectiva:

Têm-se multiplicado as advertências sobre os efeitos das políticas não convencionais dos bancos centrais poderem desencadear a próxima crise financeira, algo para o qual temos vindo à chamar a atenção há uns cinco anos, pelo menos desde este post de 2012 (duas semanas antes do «whatever it takes» de Draghi): «ainda não saímos de uma e já estamos a trabalhar para criar a próxima. Vai acabar mal.»

Devido às dificuldades dos seres humanos lidarem com a realidade, sobretudo com as más notícias, e com os futuros possíveis, sobretudo com os futuros indesejáveis, a tendência para o desta vez vai ser diferente é universal e praticamente inevitável. Por isso, é de supor que só depois das castanhas nos queimarem as mãos perceberemos que isso resulta de terem estado demasiado tempo ao lume.

Escrevia eu sobre as castanhas quentes há menos de 3 meses e elas aí estão. Provavelmente ainda estão mornas, mas como os avisos vão ser ignorados é ainda mais provável que as castanhas aquecerão até queimar.


Não e não é apenas no EU, os mercados globais deram um valente trambolhão.

Índice MSCI

Dizem que é um ajuste, que é o receio da inflação, que são as taxas de juro a subir, que são os ATS (Automated Trading Systems) (*), mas na sexta-feira os mercados recuperaram, dizem ainda. Sim, mas recuperam sempre antes de voltarem a cair - é o chamado salto do gato morto.

Mas nem toda a gente assobia para o lado. Há anos que muitos vêm avisando (releia-se a série de posts O clube dos incréus reforçou-se). E, recentemente, William White, economista da OECD, não podia ser mais claro: «all the market indicators right now look very similar to what we saw before the Lehman crisis, but the lesson has somehow been forgotten».

E porquê? Simplesmente porque os mercados de capitais e os mercados imobiliários em vários países subiram até à estratosfera para níveis insustentáveis que têm subjacentes rentabilidades impossíveis de manter. E porquê? Simplesmente porque a compressão das taxas de juro e as inundação de liquidez resultante do quantitative easing adoptado pelos principais bancos centrais empurrou os investidores para activos com risco crescente a preços crescentes.

Pode não ser para a semana ou para o mês que vem ou mesmo para o ano que vem, mas, uma vez mais, desta vez também não vai ser diferente. E, como disse, Warren Buffett, quando a maré desce é que se vê quem não tem calções e se há países que não têm calções Portugal está entre eles.

(*) Diriam melhor se dissessem que foi o afluxo maciço em Janeiro de aplicações nos ETF (Exchange-Traded Funds, fundos de investimento em unidades de participação cotadas em bolsa), por razões que estão aqui explicadas. Mas, ainda assim, trata-se de uma causa próxima do trambolhão e todos os trambolhões têm uma causa próxima que não convém confundir com a vaga de fundo.

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