Outras avarias da geringonça.
Deve ser a primeira vez aqui nestas crónicas que relevo uma mudança de rumo positiva do governo. Depois de ter aplicado a receita das reversões às políticas do governo PSD-CDS, o governo reverteu ele próprio a reversão na política de ciência e tecnologia como aqui nos descreve António Coutinho, ex-coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.
As relações conjugais na ménage à trois da geringonça já viram melhores dias, os parceiros estão já a dormir em camas separadas e não tarda em quartos diferentes. Como se nota nas guerras sobre as reversões laborais que o BE exige e que o PCP pretende transformar em avanços das conquistas, opondo-se à eutanásia defendida pelos outros dois. A Autoeuropa transforma-se assim numa espécie de lugar geométrico das contradições com os comunistas a quererem abater a CT, que o BE tenta preservar, e o PS entalado a ver o risco de os alemães desmancharem o ringue onde o PCP pretende recuperar o título de defensor honorário dos trabalhadores.
No seio do lar desavindo da geringonça, Catarina ensaia novos e inventivos verbos e quer que António desambigue e destroike as relações... laborais. Enquanto não desambiguam e não destroikam, os parceiros vão tentando reviver o PREC propondo nacionalizações que já vão em duas dezenas. O resultado é um governo bipolar que por um lado tenta resistir mas, pressionado pelas ameaças de greves dos professores, admite pela boca de Vieira da Silva acolher as propostas de bloquistas e comunistas, ficando como aquela enfermeira do «Voando sobre um ninho de cucos» que o personagem protagonizado por Jack Nicholson prometia deixar num estado de hesitação entre evacuar ou dar corda ao relógio.
A saga da Caixa promete continuar com as costumeiras intromissões da geringonça na sua gestão. Paulo Macedo voltou a ser chamado ao parlamento para dar contas dos aumentos das comissões e da redução de trabalhadores-rentistas que está a ser feita a conta-gotas com generosas indemnizações por despedimento e pensões de reforma.
Continua o saneamento por demissão em departamentos-chave da administração e substituição por apparatchiks socialistas. O último é o da directora-geral do Orçamento (ver aqui outros exemplos). Não será só por isso, mas o certo é que a administração pública é um exemplo de ineficácia e ineficiência crescentes como nos lembra a Moody's. Se fosse preciso apontar um exemplo, o Tribunal de Contas fê-lo com a Protecção Civil, não por acaso o abrigo dos amigos de Costa.
Ainda não é desta que ficámos a saber o que será o hub tecnológico que Costa anunciou em Davos e que o director da Google descreveu com um rigor que rivalizou com o de Costa: «podem ser serviços financeiros de apoio à Google que se prestem desde aqui, como outros serviços. Falamos de todas [as vagas], depende dos serviços que prestem».
A conta da nacionalização do BPN, um banco de vão de escada, que Teixeira dos Santos jurou que não custaria nada e o nada vem subindo para a estratosfera, cresceu mais 424 milhões o ano passado. É uma parte do custo do sucesso da acção no sector financeiro de que se gabava Centeno.
O tão celebrado aumento do emprego a uma taxa de 3,5% está a ser superior ao da economia (o PIB cresceu 2,7% em 2017) o que reflecte, como já referi nestas crónicas, um decréscimo da produtividade, resultando entre outras coisas da menor qualificação dos novos empregos sobretudo dos temporários que crescem mais depressa do que os contratos sem termo. Significativo é também a criação de emprego ter absorvido em dois anos sobretudo trabalhadores com 45 e mais anos que representam quase 60% do novo emprego.
Outro celebrado sucesso do par Costa-Centeno é o défice cuja redução nunca explicada resulta, segundo o Fórum para a Competitividade, dos cortes no investimento público e dos efeitos one-off, sem os quais teria sido o dobro (2,4%, em vez de 1,2%) ou, dito de outro maneira, nada está garantido no futuro.
Quanto à dívida pública, cito Ricardo Cabral que no Expresso salienta vários constrangimentos à sua redução: (1) os mínimos impostos pelo tratado orçamental (1/20 por ano do excesso de 60%, ou seja 3,3% em 2018); (2) a metade da dívida detida por institucionais (FMI, UE, BCE e BdP) cujo refinanciamento por recursos internos não está garantido porque não há poupança, o que nos faz depender dos mercados; (3) a redução da dívida pública detida por estrangeiros depende da melhoria da balança corrente e de capital e o que governo amortizar de dívida pública poderá obrigar a um maior endividamento do sector privado.
E falar na dívida é falar na sua notação e como o o upgrade que falta fazer é o da Moody's, que o governo insinua que já vem no ar, conviria ouvir o que tem para dizer Evan Wolhmann, «o analista que toma a decisão final sobre o rating da Moody’s para Portugal» que avisa poder a falta de reformas e o estado duvidoso da banca fazer a notação regressar ao lixo.
E como a melhoria das balanças depende sobretudo do comércio externo convirá também andar com um olho na dívida e outro no saldo comercial, porque se é certo as exportações de bens terem aumentado 10,1% em 2017 (9,1% sem combustíveis e lubrificantes) as importações aumentaram 12,5% e, em consequência o défice da balança comercial de bens aumentou para 13,8 mil milhões, o valor mais elevado desde 2011. Agradecei à Divina Providência estar a enviar-nos resmas de turistas e que está a ajudar a compensar a propensão para o consumo das famílias que é a maior em 17 anos, consumo cujo crescimento mais significativo se dirige inevitavelmente às importações.
Em matéria de crescimento da economia depois de uma convergência episódica em 2017, ao fim de quinze anos décadas a divergir, a CE prevê que Portugal voltará a divergir em 2018 e 2019, com um crescimento de 2,2% e 1,9%, abaixo da UE e abaixo de todos os países com excepção da França, Itália e Bélgica, ficando ainda relativamente mais pobre.
Sem comentários:
Enviar um comentário