Comecemos pela celebração da saída do lixo que para Costa representa «a viragem da página da austeridade que nos permitiu também agora virar a página do lixo». Que Costa tenha sido capaz de celebrar como um grande feito a melhoria do rating por uma agência que ele há dois anos considerava «lixo» com «uma gente que já demonstrou não ser minimamente credível, fiável» só confirma que o seu descaramento está à altura da sua ignorância. De facto, o upgrade da notação da S&P para BBB- (o nível mais baixo de investimento) significa que a dívida portuguesa passou em 15 de Setembro para o mesmo nível que tinha em 29-03-2011, com o resgate à vista. Como o outlook é estável isso significa adicionalmente que a S&P não prevê a curto prazo uma melhoria.
Outro feito muito celebrado foi o leilão de OT a 10 anos com um yield de 2,785% o mais baixo desde... 2015, quando ainda por aí andava o governo neoliberal e a economia não tinha atingido «o maior crescimento deste século». Ora confira-se:
OT 10 anos (Bloomberg) |
Continuemos com a putativa promoção do Ronaldo das Finanças a presidente do Eurogrupo, um spin que tem feito gastar muita tinta e saliva aos spin doctors domésticos, que a confirmar-se ter fundamento poderá ser um tiro no pé do governo e envenenar as relações com os parceiros da geringonça.
E falando de veneno, de parceiros e de geringonça, registem-se as declarações de obsolescência do zingarelho por parte de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins que, qual Dupont et Dupond, o declararam em uníssono a geringonça irrepetível. É possível que não passe de bluff no contexto das eleições autárquicas, mas o certo é que a geringonça existe apenas enquanto for possível o equilíbrio instável entre forças centrípetas e forças centrífugas e esse equilíbrio é ameaçado com o aumento das intenções de voto do PS. «Se o Costa não perceber o que se passa, entramos numa fase complicada» avisou em entrevista ao Expresso Arménio Carlos, o apparatchik que comanda a CGTP.
Se a CGTP fala grosso com o governo as vozinhas dos castrati da UGT não querem ficar para trás e defendem o aumento médio dos salários de 3% a 4% em 2018 e do salário mínimo para 585 euros. Tudo isto com uma produtividade que não melhora é o caminho mais curto para o desastre.
Um dos acontecimentos mais insólitos da semana foi o pedido de demissão do comandante da Protecção Civil, um organismo que falhou em toda a linha na resposta aos incêndios deste ano dos quais resultaram 65 mortes. Demissão que ocorreu quase três meses depois e foi devida não ao desastre da Protecção Civil mas ao facto de o seu comandante, que foi nomeado por Costa juntamente com uma dúzia de outros apparatchiks socialistas, ter feito uma licenciatura com 32 equivalências em 36 disciplinas... Outro insólito - se não fosse o protagonista - foi a dúvida cartesiana do ministro da Defesa que não sabe «se alguém entrou em Tancos e no limite, pode não ter havido furto». Nada insólita, em vista do colectivismo atávico da geringonça, é a anunciada ejaculação legislativa a proibir os jogos de futebol em dia de eleições - seria um enorme insulto à maioridade e capacidade de discernimento dos portugueses se os portugueses não vivessem num estado de infantilização.
O stock de crédito às famílias teve um aumento líquido homólogo de 9% em Julho em contraste com os empréstimos às empresas em que os novos empréstimos caíram no mesmo período 8,1% , o valor mais baixo desde 2003, e o stock de crédito caiu 4,3% (fonte). É claro que, diferentemente do «maior crescimento deste século», não se ouviu ninguém celebrar a queda do financiamento para investimento privado que inevitavelmente vai comprometer o crescimento futuro. E também ninguém celebrou o aumento da dependência do BCE que voltou a elevar a cedência de liquidez aos bancos portugueses.
É verdade que as emissões obrigacionistas das empresas não financeiras têm vindo a subir - o stock teve um aumento homólogo de 5,9% em Julho, mas é sabido que essas emissões só estão ao alcance de um pequeno número de empresas e a esmagadora maioria depende o crédito bancário. Por isso, não admira que o relatório do FMI acentue a fragilidade do crescimento num país que sofre o «ciclo vicioso entre bancos fracos, malparado elevado e fraco investimento».
Uma ou outra luminária socialista em contacto esporádico com a realidade manifesta alguma preocupação com o caminho. Foi o caso do ministro do Planeamento Pedro Marques que lamentou que «pode dar-se a ideia de que há uma espécie de folga». Quem terá dado a ideia? Se não encontrarem o culpado sempre podem apontar o deu ao Passos.
À socapa, o governo fez em Agosto mais uma reposição. Desta vez repôs o facilitismo na educação à pala da «flexibilização curricular» que será adoptada em regime piloto em 240 escolas - remeto para este artigo de Jorge Buescu, matemático, professor, investigador e autor de «Matemática em Portugal - Uma questão de Educação», uma leitura muito recomendável.
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