03/04/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (77)

Outras avarias da geringonça.

Começo por aquilo que tudo indica é mais uma fabricação plantada no Expresso e logo espalhada por todas as câmaras de eco da imprensa amiga: a "notícia" com direito a chamada na 1.ª página ocupando 1/8 da broadshit tem o título «Centeno sondado para substituir Dijsselbloem». Podia ser uma paródia do primeiro de Abril, mas pelos vistos só é do primeiro de Abril porque este ano calhou ser sábado.

No que respeita à dívida, as coisas começarão a ficar pretas mais a partir de agora com as compras pelo BCE a abrandarem, também por estar cada vez mais perto o máximo que o BCE pode deter que já atinge 35,5 mil milhões.

Como repetidamente temos sublinhado aqui no (Im)pertinências, não é só problema da dívida pública, é o problema da dívida das empresas e, especialmente, do crédito malparado das empresas não financeiras que voltou a aumentar para 28% em Fevereiro. Se é certo que a situação das famílias é muito menos preocupante - estão menos endividadas do que a média europeia -, é igualmente certo que isso se deve também a não haver praticamente poupança. Vejam-se os créditos às famílias que se reduziram pelo nono mês consecutivo à custa da redução dos depósitos bancários ou seja de uma parte do saldo de poupança.

Também não ajuda a geringonça o facto de as equipas técnicas da troika que estão a fazer o acompanhamento do programa de ajustamento perceberem perfeitamente que o governo tem estado a reverter as poucas reformas feita pelo governo anterior. No relatório da quinta avaliação, publicado a semana passada a equipa faz uma lista das medidas que foram suspensas e dos retrocessos.

No final de 2015 escrevi um post com um título que diz tudo: «Banif, o presente de Natal socialista». Podia ter sido interpretado como uma teoria da conspiração (era uma das etiquetas do post), mas os factos conhecidos já então permitiam concluir como muito provável que o governo de Costa tivesse aproveitado (ou mesmo montado) a "fuga" da TVI para em dois dias com uma só cajadada matar dois coelhos: o coelho Passos para quem ficou o ónus de atirar o défice acima dos 4% e o coelho dos parceiros da geringonça para quem a coisa passou por ter sido imputada a Passos, o primeiro Coelho. Numa entrevista recente, Luís Amado, o então presidente do Banif vem agora reconhecer que o «interesse nacional não foi bem acautelado». É evidente que não, nem isso estava em causa.

Não é que se possa atribuir especial competência em matéria de contas públicas a Assunção Cristas, mas é muito provável que, como ela disse, o défice de 2016 fabricado por Centeno teria sido de 3,7% e não de 2,1% sem as cativações. Num outro ângulo, se considerarmos que sem o Banif, que o Costa para lá empurrou, o défice de 2015 teria sido de 2,97%, a redução daí para os 2,06% foi de apenas 0,91 pontos percentuais e, segundo as contas do jornal Eco, o aumento dos impostos explica 46% da redução do défice, e redução da despesa por via das cativações explica os restantes 54%. Só falta dizer que «Costa só conseguiu cumprir a meta do défice de 2016, porque fez precisamente o contrário daquilo que prometeu».

Como quer que seja, não há a menor dúvida que Costa conseguiu o prodígio de fazer uma derrota parecer uma vitória porque em política o que parece é, diz-se que teria dito o Botas muitas décadas antes das redes sociais, dos factos alternativos e da pós-verdade. De onde, concluo, talvez apressadamente, Passos Coelho tem poucas hipóteses de ser visto como uma alternativa (a começar porque ainda não se lhe ouviram ideias alternativas) enquanto a realidade não derrotar a geringonça.

Ainda em matéria de défice, a ferramenta de 2016 continua em pleno. Os pagamentos em atraso do SNS aumentaram 59 milhões em Fevereiro atingindo um total de 672 milhões (7,4% das despesas anuais de saúde). Veja-se o diagrama seguinte.

Observador
Como se a Segurança Social não estivesse já suficientemente insustentável, o PCP reiterou a proposta de reforma sem penalizações aos 60 anos de idade ou 40 anos de descontos. É claro que percebe quem quer que metade das propostas dos comunistas é para comunista ver - no final acabam quase sempre a engolir o sapo outra vez, como agora com a venda do Novo Banco em que o camarada Miguel Tiago justificou com redondilhas dialécticas a venda do Novo Banco como o mal menor. O PCP precisa de manter a sua envelhecida e emagrecida clientela eleitoral com esteróides reivindicativos, esteróides que, contudo, acabam por entrar na circulação sanguínea do eleitorado dos outros partidos contribuindo para o irrealismo de um povo infantilizado por políticos idiotas e/ou sem escrúpulos.

Para terminar, por hoje, com um tema que não tem a ver especialmente com a geringonça, a não ser na precisa medida em que as políticas da geringonça são a continuidade das que nos conduziram até aqui, atentemos no quadro seguinte (Avelino de Jesus no Negócios) que nos mostra a desaceleração do ritmo de convergência (um chavão que nos últimos anos foi sendo esquecido).


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