«Sempre que meia dúzia de transeuntes são trucidados numa cidade europeia, a primeira fase consiste em proclamar que nada indica tratar-se de um acto terrorista. Numa segunda fase, aceita-se que, se calhar, até foi um acto terrorista. A terceira fase implica atribuir a matança exclusivamente à arma utilizada, seja um pechisbeque explosivo, uma faca ou um camião (a frase “camião abalroa X pessoas” tornou-se um clássico do jornalismo cauteloso e da dissimulação). Na quarta fase, descobre-se, não sem algum espanto, que o explosivo, a faca ou o camião tinham alguém a manobrá-los, embora haja pressa em adiantar que as motivações do manobrador permanecem obscuras. Na quinta fase, o espanto redobra quando se percebe que o nome do homicida é Abdullah, Ahmed, Ali, Assan, Atwah, Aymen (noto que ainda não chegamos aos “bb”) ou algo com ressonância pouco latina, anglo-saxónica ou asiática. A sexta fase envolve um questionário aos conhecidos de Abdullah, que o caracterizam como uma jóia de rapaz. Na sétima fase, suspeita-se que a jóia afinal viajara recentemente para a Síria e participava em “sites” de ligeira influência “jihadista”, onde jurava matar os infiéis que se lhe atravessassem à frente (uma promessa literal no caso da utilização de camiões). A oitava fase decide que Abdullah se “radicalizara”, ou seja, jurara devoção ao Estado Islâmico, a que chamamos Daesh só por pirraça. A nona fase estabelece que Abdullah, ele mesmo um infeliz afectado por distúrbios psiquiátricos ou discriminação social ou ambos em simultâneo, não representa o Islão, por muito que o próprio afirme aos berros o contrário. A décima fase é essencial: aos tremeliques, o poder político declara que nunca cederá ao medo; os jornais desenham capas giras e vagas a propósito; o povo sai à rua a cantar o “Imagine” ou fica no Facebook a “solidarizar-se” com as vítimas sem referir os culpados.»
«O terrorismo islâmico nunca existiu», Alberto Gonçalves no Observador
Ainda bem. Vala a pena ler o texto todo.
ResponderEliminarAlberto Gonçalves corre o risco de se tornar um clássico.
ResponderEliminarAs suas crónicas são o equivalente contemporâneo da "Campanha Aalegre".
https://www.youtube.com/watch?v=Ry3NzkAOo3s
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