27/02/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (72)

Outras avarias da geringonça.

Apesar de arriscar agoniar os leitores vou ainda abordar as trapalhadas da Caixa, lembrando que as preocupações por parte da geringonça de protecção dos dados pessoais de Centeno e Domingues (como se pudessem ser considerados pessoais comunicações sobre uma empresa pública entre duas pessoas que exercem ou vão exercer cargos públicos e, ainda para mais, quando a empresa pública em questão pagou os advogados e a consultoria de Domingues) foram alegremente esquecidas quando se tratou do inquérito ao GES (um grupo privado, recorde-se) em que a esquerdalhada exigiu acesso aos emails trocadas entre os vários figurões que nem sequer exerciam cargos públicos (sem prejuízo do DDT subornar os que exerciam esses cargos).

Recorde-se também que um governo que bramiu insinuações a propósito da transferência dos 10 mil milhões para offshores (conferir as not Frequently Asked Questions acerca do caso) está a tentar esconder os empréstimos da Caixa concedidos aos amigos do regime pela administração dos apparatchiks de Sócrates durante o seu governo.

Depois da leitura das citadas not FAQ, recomendo a leitura da seguinte frase de Costa no parlamento que deve constituir um novo record de demagogia e insulto à inteligência de quem o ouvia: «é absolutamente escandaloso que um governo que não hesitou em acabar com a penhora da casa de morada de família por qualquer dívida tenha tido a incapacidade de verificar o que aconteceu com 10 mil milhões de euros que fugiram do país».

Ficou agora claro que um dos custos da «reversão» da privatização da TAP foi o governo ter ficado no colo com a renegociação das dívidas e a garantir o seu pagamento.

Segundo os dados publicados pelo Expresso este fim de semana, entre o final de 2011 (o primeiro ano do resgate) e 2016 os efectivos da função pública reduziram-se de 727 mil para 664 mil. É preciso acrescentar que a redução superior a 63 mil se deu exclusivamente até 2014, já que em 2015 e sobretudo em 2016 os efectivos voltaram a aumentar. Convirá saber que, segundo o levantamento feito pelo governo, se encontram na fila para somar aos 664 mil mais cerca de 40 mil «precários» (a propósito leia-se o artigo de José Manuel Fernandes «E porque não se calam com isso dos “precários”?»).

Em conclusão, com a redução em marcha do número de alunos por turma para contratar mais professores, num país que já tem um dos números mais baixos por professor entre os membros da OCDE, e com mais uns aconchegos para colocar boys, a geringonça deixará de herança quase o mesmo número de utentes da vaca marsupial pública existentes no ponto que os seus predecessores socialistas chefiados pelo grande líder Sócrates deixaram a administração pública.

Por tudo isso, é bom sabermos que Costa, falando pela boca do seu adjunto Eduardo Cabrita em entrevista ao jornal oficial do PS Expresso, «não exclui que PCP e BE integrem um próximo governo». Quem sabe se não poderemos ainda ter a mana Mortágua no lugar de Centeno, ou mesmo, quem sabe, «o camarada Francisco (que) fez e faz campanha contra as regras da União Bancária e do Euro vai sentar-se no conselho consultivo de uma instituição que deve implementar as regras do Euro e da União Bancária», como escreveu  João Marques de Almeida no Observador.

Forças políticas que na oposição bramiam furores contra a suposta governamentalização do regime, agora que controlam o governo borrifam-se para a oposição no parlamento. Alguns exemplos: não foram respondidas quase 1.400 (mais de 60% do total) das perguntas e requerimentos ao ministério da Educação; foi feito tudo para evitar o inquérito parlamentar à nomeação da administração de Caixa.

Numa economia descapitalizada de um país endividado, o investimento estrangeiro é crucial para o crescimento. Veja-se o diagrama seguinte e tenha-se em conta que uma parte significativa, e a que mais cresceu, é o investimento imobiliário que nada acrescenta à capacidade produtiva do país.

Jornal de Negócios
Se os estrangeiros não se mostram confiantes para fazer investimentos produtivos em Portugal, o Índice de Confiança dos Consumidores Portugueses da Nielsen subiu oito pontos para os 74 pontos, mostrando que os consumidores nacionais, pelo contrário, parecem cada vez mais confiantes que a geringonça lhes «devolverá» o poder de compra dos tempos de Sócrates que precederam o resgate
É um sinal dessa ilusão é o aumento de 44% do crédito à habitação  para acrescentar mais casinhas às mais de 700 mil não habitadas.

Ainda quanto ao grande sucesso da execução orçamental de 2016 que deu o prodigioso défice de 2,1%, vamos aguardar os números em contabilidade nacional e, entretanto, não esqueçamos que um dos factores do milagre escondido debaixo do tapete foi o aumento da receita do ISP (alegadamente para cobrir a redução de IVA proveniente dos baixos preços do petróleo) que era para ser de 465 milhões e ficou em 1.142 milhões e que o diferencial que tinha sido prometido devolver foi esquecido. O outro facto foi o chutar para a frente, decorrente do expediente das cativações, dos pagamentos das entidades públicas que no final de Outubro estavam em quase 1.200 milhões de euros.

É claro que tudo isto não impede o optimismo de Costa - uma reedição do mesmo optimismo suicidário de Sócrates - no que não é acompanhado, uma vez mais, nem pelo FMI que vê a economia vulnerável com baixo potencial crescimento, nem pela Comissão Europeia que além disso ainda ameaça com uma multa de 190 milhões de euros - ler aqui um bom resumo do que pensa a troika.

Inevitavelmente há algumas áreas que a gestão ruinosa do Estado pela geringonça não atingiu (ainda?), como o comércio externo em que a exportação de bens aumentou 0,3% (muito menos do que nos anos anteriores) e de serviços, principalmente turismo que aumentou 4,4%,

Tem sido este comportamento do sector exportador que está a permitir desde 2012 reduzir gradualmente o endividamento do sector privado não financeiro que, ainda assim, com 3,9 vezes o PIB é dos mais altos do mundo. Em consequência, também a dívida externa líquida tem vindo a descer, apesar de ainda representar 95% do PIB.

Uma última palavra de homenagem ao grande criador de «factos alternativos» António Costa que só no últimos debate parlamentar produziu mais quatro: a respeito da Caixa, do ISP, da eletricidade e do Novo Banco.

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