10/10/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (52)

Outras avarias da geringonça.

Podemos medir o grau de descontrolo da execução orçamental pela crescente sofisticação da engenharia contabilística do governo socialista, na melhor tradição socrática. A acrescentar às cativações, ao congelamento do investimento e das despesas de capital e ao acumular de pagamentos em atraso (expediente que só conta a curto prazo, até serem conhecidas as contas nacionais, que no fim do dia são as que interessam para Bruxelas), surge agora o perdão fiscal e a reavaliação dos activos das empresas.

O expediente do perdão fiscal é genial. Às empresas e aos contribuintes é-lhe oferecida a possibilidade de pagarem os seus impostos em atraso sem coimas e sem juros de mora para o que basta pagarem 8% da sua dívida fiscal. Os restantes 92% podem ser pagos durante os próximos 10 anos, mas nas contas nacionais são desde já considerados como receita na sua totalidade reduzindo, nessa medida o défice que é importante para Bruxelas. E se nos próximos anos não for recebida uma parte desses 92%? Depois logo se vê.

A reavaliação de activos não é menos genial e vai permitir às empresas reavaliar activos fixos com uma tributação reduzida (14% a pagar entre 2016 e 2018). Segundo os fiscalistas, este expediente melhorará as receitas fiscais durante 3 anos e beneficiará principalmente as grandes empresas com activos fixos de valores significativos e disponibilidade de tesouraria para adiantar o pagamento do imposto. Uma vez mais, o expediente faz-se à custa da perda da tributação futura às taxas normais.

É claro que esta engenharia se torna necessária para compensar a derrapagem previsível do défice em contas nacionais - antes da engenharia, bem entendido. De facto, como explicar de outra forma que um défice previsto de 2,5% do PIB para este ano em apenas 8 meses aumenta a dívida pública em 11.7 mil milhões ( 6,5% do PIB) de 231,6 em Novembro de 2015 para 243,3 mil milhões em Agosto? Mesmo abatendo os depósitos em bancos da almofada financeira de 20 mil milhões (dos quais 17 mil milhões herdados do governo anterior), a dívida líquida cresceu 5,4% em 9 meses ou mais seja o dobro do défice anual previsto.

Por isso, as instituições que ainda não consideraram os efeitos da engenharia orçamental anunciada mantêm previsões de 3% (FMI) ou fazem as contas e estimam que é inatingível (UTAO) o montante de impostos a cobrar até ao fim do ano para garantir o défice de 2,5%.

Voltando às exportações e citando os números referidos pelo professor João Duque no Expresso, o crescimento quer em volume quer em valor vem diminuindo desde o 1.º trimestre de 2015. Em volume: 7,7%, 7,6%, 5,6%, 3,7%, 3,3% e 1,7%. Em valor a desaceleração é ainda maior evidenciando uma quebra dos preços: 6,2%, 6,0%, 5,1%, 2,8% e 1,2%. É certo que a tendência vinha de trás, mas a geringonça teve o condão de a acentuar.

Se falamos de crescimento (a palavra mais pronunciado por Costa durante a campanha eleitoral), restam poucos crentes nas previsões do governo: o World Economic Outlook prevê que a economia crescerá muito pouco; o Banco de Portugal cortou uma vez mais a previsão de 1.3% para 1,1%; o ISEG (1,0% a 1,3%); a agência canadiana DBRS, a única em que a dívida portuguesa não tem a notação junk e de cuja bondade depende continuarmos a aceder ao programa OMT (Outright Monetary Transactions) do BCE, considera que a economia portuguesa está presa num «ciclo vicioso» de dívida pública elevada, baixo crescimento e reformas económicas insuficientes. O governo, o único crente que ainda restava, resolveu fazer mais uma revisão em baixa no passado dia 6.


Para piorar as coisas, a única revisão em alta de 1,5% para 1,6% do crescimento do PIB foi a estimativa de 2015 creditada ao governo anterior...

Gradualmente, o espaço que ainda resta de manobras orçamentais e fintas à realidade vai-se reduzindo. Costa já admite adiar a inadiável capitalização da Caixa, considera «provável» um novo imposto indirecto com um argumento que dito por Passos Coelho desencadearia um tsunami de indignação - «o país tem de fazer escolhas» -, manda «apertar cinto a hospitais em nome do défice» e considerou, contra tudo o que tinha defendido no passado, que as pensões mínimas sem carreiras contributivas só deveriam ser atribuídas sob condição de recurso.

Com estas perspectivas, o acesso aos mercados irá depender cada vez mais do BCE com duas condicionantes, a saber: um possível (mas não provável) downgrade da DBRS que cortaria de imediato a compra de dívida pelo BCE e a gradual redução da compra de dívida pelo BCE resultante do fim anunciado para Março do próximo ano do alívio quantitativo.

Assim se compreende que, quando se pensa que ninguém lá fora vai ouvir as más notícias, se digam as verdades incómodas, como foi o caso do comissário europeu Günther Oettinger que pensando estar a falar apenas para os deputados presentes no parlamento admitiu um segundo resgate, A bronca foi grande e as indignações foram muitas porque a coisa estava a ser emitida em directo pelo canal da AR.

Quanto à geringonça, o PS de Costa aposta desesperadamente na sua continuidade, o BE está tão enlevado com a influência que julga ter na governação do país que prefere vender a alma a divorciar-se. Só o velho PCP que receia perder a sua identidade e, por via disso, a sua base eleitoral caquética e anquilosada, manifesta alguma aparência de distanciamento e prenuncia «contradições no seio do próprio PS, com um desfecho imprevisível».

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