«Pois é. Tendo a crer que, três décadas passadas, não mudámos muito. Telma, e regresso à sua autobiografia, escreve que “atribuir a culpa do nosso insucesso a outros guia-nos ao próximo fracasso”. Se ela o tivesse feito, há muito que teria desistido, pois não pode vencer sempre e cometeu muitos erros. Mas sabemos que não desistiu, e estas palavras valem tanto mais quanto é verdade que quando acabava de escrever o seu livro estava também a recuperar de mais uma operação ao joelho e o que tinha por mais incerto era conseguir regressar ao topo a tempo dos Jogos Olímpicos. Conseguiu, para bem dela e de nós todos.
Mas nós todos é que não somos assim. Passamos mesmo a vida a fazer o contrário do que ela aconselha. A crise do país não foi culpa do nosso governo de então, foi da crise internacional – disse-se isso na altura e continua-se a repetir hoje. A crise do endividamento privado não resultou de decisões de quem quis comprar aquilo para que não tinha dinheiro, mas apenas produto dos maliciosos bancos, que andaram a atazanar as pessoas.
O crescimento que nos prometeram não regressou, mas já estamos a ouvir as desculpas: a culpa é do governo anterior, pois o abrandamento vinha detrás; ou então a culpa é de Bruxelas, que obrigou a mudar o orçamento; ou ainda a culpa é dos juros baixos (como podia ser dos juros altos) ou do petróleo barato (como podia ser do petróleo caro).
A nossa floresta voltou a arder? A culpa é de quem não limpa as matas, como antes foi dos madeireiros, ou dos reaccionários, ou das celuloses, ou da falta de meios. Nunca é de quem podia ter mudado as políticas há dez anos e não o fez.
Temos sempre um motivo para choramingar. Há mais turistas e centenas de obras de reabilitação nas cidades históricas? Ai meu deus que os alugueres estão a ficar caros. Há empresas que inovam, da Uber aos rapazes dos tuk-tuk? Aqui del-rei que o negócio dos taxistas está pelas ruas da amargura. Os exames nos vários graus de ensino revelam debilidades que não gostamos de ver? Acabe-se com os exames, não fiquem as criancinhas traumatizadas.»
«O país da choraminguice. E o país de Telma Monteiro», José Manuel Fernandes no Observador
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