18/05/2016

DIÁRIO DE BORDO: Senhor, concedei-nos a graça de não termos outros cinco anos de TV Marcelo (6)

Outras preces.

Arriscando vencer os leitores do (Im)pertinências pelo cansaço da repetição de temas inspirados pelo presidente dos afectos, venho uma vez mais comentar duas intervenções da pletórica agenda do presidente Marcelo, ambas típicas da personalidade da criatura.

A primeira tem a ver com os paninhos quentes dos comentários às projecções económicas da geringonça completamente desacreditadas de Lisboa até Washington, passando por Frankfurt e Bruxelas. Ainda percebo que Marcelo esteja prisioneiro da sua própria estratégia e tenha de levar ao colo a geringonça. Perceberia por isso que guardasse de Conrado o prudente silêncio em alternativa a alarmar o povo dizendo que a geringonça está a aldrabar os sujeitos passivos. O que não lembra a um careca é fazer apelos ao povo para não se alarmar.

A segunda é o «amplíssimo consenso» que Marcelo diz haver em Portugal e o «acto de justiça histórica» que para ele é rebaptizar o aeroporto de Lisboa com o nome de Humberto Delgado, rebaptismo que considera (e agora esforço-me para não agoniar) «simbólico que seja um Governo de esquerda, porventura o mais à esquerda nos seus apoios dos últimos longos anos, a decidir, e um Presidente de centro-direita a dar a chancela a uma homenagem que assim retrata em consenso nacional uma vida e uma obra».

Desfazendo o «amplíssimo consenso», recordo brevemente alguns episódios da vida e da obra do «General Sem Medo», apagados à boa maneira estalinista da fotografia, mas que Marcelo tem obrigação de conhecer. Lembro que Delgado participou em 1926 no golpe de 28 de Maio e escreveu em 1941 artigos na revista «Ar» de grande simpatia pelo nazismo e em particular por Hitler. Citando-o:
«O ex-cabo, ex-pintor, o homem que não nasceu em leito de renda amolecedor, passará à História como uma revelação genial das possibilidades humanas no campo político, diplomático, social, civil e militar, quando à vontade de um ideal se junta a audácia, a valentia, a virilidade numa palavra.»
«O capitão Humberto Delgado participou na manifestação 
dos falangistas espanhóis em Lisboa» (Fonte)
Lembro também que em 1944 Delgado continuava a ser um homem de confiança do regime tendo sido nomeado Director do Secretariado da Aeronáutica Civil. Em 1951 e 1952 foi procurador à Câmara Corporativa e em 1952 foi nomeado adido militar na embaixada em Washington onde viveu durante cinco anos. É nesse período que a lenda situa a sua conversão à liberdade, a caminho dos 50 anos e após 3 décadas de situacionista emérito - existe ampla evidência que a conversão se ficou a dever mais a vaidades e ambições insatisfeitas do que a convicções.

É claro que pelo meio, em 1945 e 1946, Delgado criou a TAP e lá deixou nucleótidos não fascistas que trazia escondidos no seu ADN. Nucleótidos que quando em 1958 Delgado se candidatou a PR passaram despercebidos até ao atento PCP que começou por apoiar o anticomunista Cunha Leal, uma relíquia da I República, para finalmente apoiar o compagnon de route Arlindo Vicente e praticamente só depois do assassinato de Delgado, numa manobra típica do tacticismo de Cunhal, o recuperou para o património antifascista.

Voltando ao presidente dos afectos, cito Henrique Raposo que, a propósito das fintas sobre as barrigas de aluguer, me tirou as palavras da boca e escreveu no Expresso Diário de ontem: «Marcelo é uma das barrigas de aluguer da política portuguesa, ele acredita no que tiver de acreditar num dado momento tático para depois esquecer facilmente esses credos, crenças ou causas. Marcelo só tem uma causa: o próprio Marcelo».

1 comentário: