Outras avarias da geringonça.
O acontecimento mais importante da semana pode muito bem ter sido a adopção pelo governo da proposta de mudar o sexo do Cartão de Cidadão apresentada pelo Bloco de Esquerda, porventura em alternativa a uma proposta de legalização da união de facto inter-espécies.
Pode ter sido uma compensação pela comunicação na passada terça-feita aos outros componentes da geringonça das novas previsões de crescimento que dos 3% do programa eleitoral baixaram para 1,8%, e, ainda assim, bem acima das previsões do resto do mundo. O BE está tão feliz com a união de facto que jura não haver razões «de alarme».
Se o BE não se alarma é porque está distraído e/ou precisará muito geringonça, porque qualquer criatura que apostasse nesse cavalo ficaria preocupada ao olhar para o alvo em movimento que têm sido as previsões do PS, como se pode nos quadros seguintes (deste artigo de Paulo Ferreira):
Entretanto, foi conhecida a terceira avaliação da CE do pós-programa de ajustamento que, entre outras coisas, avisa o governo do impacto negativo do aumento do salário mínimo no desemprego de longa duração, ao que Costa respondeu «nós não aceitamos viver num país de pobreza e baixos salários», em linha com a vulgata socialista para o crescimento. Respondeu, não para Bruxelas, mas para dentro do PS numa espécie de «agarrem-me se não vou-me a eles», um expediente que os socialistas parecem apreciar particularmente.
Durante a semana foi também divulgado o «Parecer relativo às Previsões macroeconómicas subjacentes ao Programa de Estabilidade 2016-2020» do Conselho das Finanças Públicas (CFP) que «destaca os riscos que incidem sobre: a) a prudência dos pressupostos relativos à evolução da procura externa e ao crescimento das exportações no médio prazo e b) a fundamentação para a dinâmica do investimento.» Dito de outro modo, o CFP não acredita nas previsões do governo.
Se o CFP não acredita nas previsões a CE também não e, por isso, aconselhou um ajustamento orçamental de mil milhões, que o governo movido de uma fé inabalável garantiu não ser necessário, apesar de nem mesmo a geringonça acreditar no seu Excel. Como titulou exemplarmente o DN com inesperado e invulgar rigor, «Costa empurra para o fim da legislatura cortes na despesa ou subida de impostos».
E o que acontecerá a seguir? Costa garante que não aumentará o IVA, mas ele já garantiu tanta coisa. Daniel Bessa, um socialista (sem cartão?) antigo ministro da Economia de Guterres, disse em entrevista ao Expresso que a «probabilidade de o IVA não aumentar até ao fim do ano é de 1%». Pronto, estamos conversados.
Quem parece manter a fé na geringonça é o comissário do PCP na Fenprof Mário Nogueira. Apesar de não dar aulas há 25 anos não hesitou em avaliar a geringonça: «para já damos-lhe uma nota positiva, não definitivamente positiva, não necessariamente negativa, pelos seus desempenhos e pela forma como tem defendido princípios importantes da escola pública». O governo que se cuide porque para passar de ano vai ter de fazer os trabalhos de casa. Vamos ver se o comissário aprova a meta do governo de ter mais de metade dos alunos do ensino secundário em cursos profissionais.
Para fechar a crónica desta semana, registo o facto de o Eurostat ter confirmado que o défice de 2015 do governo PSD-CDS, sem o impacto do Banif e de outras ajudas a bancos, ter ficado em 2,8%, abaixo da meta de 3%.
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