«Penso que já aqui disse nunca ter entendido, claramente, a razão de os lesados do BES protestarem com agentes do Estado, nomeadamente com o Governo. Os lesados do BES são... lesados do BES, não são lesados do Estado nem de decisões essenciais do Estado.
São lesados os que compraram, aparentemente, gato por lebre. Ou seja, o que pensavam serem aplicações do tipo de depósitos a prazo, sem risco, revelou-se ser papel comercial cheio de risco. Qual a ação do Governo anterior e do Banco de Portugal (BdP) nisto? A forma como resolveu a questão. Pode ter sido má, não contesto. Mas, tal como no caso BPN (nacionalização), cuja resolução foi consabidamente má, não toma o Governo de Sócrates e o então regulador, Vítor Constâncio, principais responsáveis pelas malfeitorias que os dirigentes do banco de Oliveira Costa andaram a fazer, é perigoso, populista e com consequências imprevisíveis ver um chefe do Governo apontar o dedo, não a Ricardo Salgado e a quem no BES enganou os clientes, mas ao Governador do BdP.
Quando o primeiro-ministro, António Costa, vem acusar o governador do BdP, Carlos Costa (que não conheço de nenhum lado), de "não ter um comportamento responsável", é grave. É algo que nunca se viu. E não vejo outra razão para ter acontecido salvo o desejo de agradar ao grupo dos lesados, nem que para isso seja necessário lesar os contribuintes. O regulador é independente do Governo e inamovível por este. É-o, entre outras razões, para não ter constrangimentos políticos, nem se colocar ao serviço do Governo. Não estando acima da crítica, deve estar isento de ataques de, pelo menos, dois órgãos - o Presidente da República e o Governo.
Acresce que eu, tendo o maior respeito e seguramente simpatia por alguns lesados do BES, não vejo corno pode o Governo acudir-lhes. Salvo se através de um atentado tão grande à nossa bolsa como foi a resolução do Banif. Se é verdade que o Banif precisava de intervenção (cuja dimensão ainda não está totalmente clara), se é verdade que uma notícia em concreto prejudicou enormemente o banco, o facto de o Governo ter assegurado todos os depósitos foi um desastre total. Fê-lo cerca de um mês antes de as regras da resolução europeias terem sido alteradas, nada o impedindo de aplicar, nessa altura, as novas regras. Diz-se que o fez para proteger dinheiro dos governos regionais, das misericórdias e das autarquias das ilhas, bem como de muitos emigrantes. Acredito Mas ainda que assim tenha sido, não deve haver proteção aos emigrantes ou às misericórdias em prejuízo dos contribuintes e, no caso das instituições do Estado, mesmo que não quisessem que elas perdessem dinheiro, custaria menos repô-lo do que optar por aquela resolução.
O que António Costa pretende no BES não é muito diferente disto. É pagar a quem foi lesado. Penso que as pessoas lesadas devem ser ressarcidas... por quem as lesou. E, se possível, por decisões judiciais - e não por decretos ou decisões governamentais. É a vida!
O ataque a Carlos Costa - aliás nomeado pelo governo Sócrates e reafirmado pelo de Passos Coelho - , sendo um ataque político é, como têm sido os do Bloco de Esquerda, sobretudo, um ataque cobarde, pois sabem que os reguladores não podem defender-se de forma semelhante. É um ataque que aponta a mira o Banco de Portugal e isenta os malfeitores que no BES enganaram os lesados.
Acresce que toda a gente sabe que há um desaguisado terrível entre o ministro das Finanças (que veio do BdP) e o Governador. Não sabendo eu quem tem razão, penso que seria mais um motivo de cuidado para não abrir uma frente de guerra.
Conclusão: ainda que o Governador seja responsável por não ter feito algo que devia, sei que tanto ele como o anterior, Vítor Constâncio, não supervisionaram bem certos bancos e deixaram-nos em roda livre. Mas isso foi o que sempre aconteceu... e só está a deixar de acontecer por força das circunstâncias da crise. Pretender que Carlos Costa é o mau de uma fita que começou muito antes de ele estar no lugar não me parece justo. Ser o Governo e o seu líder a abrir uma guerra, menos justo me parece. É até triste.»
Henrique Monteiro, no seu blogue do Expresso
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