Com o conjunto de 3 posts, que com este se inicia, de textos de António José Saraiva sobre as vias alternativas que então, como agora, se nos colocam, termino a série que dediquei aos «Filhos de Saturno», uma colectânea inspirada no Portugal dos anos 70 cuja herança ainda hoje pesa sobre nós.
«Há dias, numa emissão televisiva, o jornalista resumia mais ou menos nestes termos o problema do Orçamento: «Resta saber se é preferível ter défice ou ter as contas equilibradas com o sacrifício e a fome do povo português.»
Custa a crer como num órgão tão importante para a opinião portuguesa passam «opiniões» tão infantis. O jornalista parece julgar que o equilíbrio entre o que se gasta e o que se ganha é uma etiqueta mundana e que uma pessoa tem o direito a exigir o que lhe apetece sem dar em troca o equivalente a esse consumo. Infelizmente, a infantilidade está muito generalizada neste país, e sobretudo nos intelectuais que se habituaram a ser sustentados pelos papás ou a viver de expedientes, mas que realmente nunca trabalharam com o suor do seu rosto. Parece que os nossos jornalistas têm todos quintas no Alentejo e vivem do rendimento da cortiça regada com a chuva que cai do céu. Quando o que é preciso é explicar a todo o nosso povo que quanto maior for o nosso défice tanto maiores serão os sacrifícios por que passaremos.
Dentro do actual sistema da economia mundial (e não há outro no horizonte) a prosperidade de um país depende daquilo que ele produz. A nossa produtividade é baixa por duas razões: porque nos falta o equipamento dos países altamente desenvolvidos e porque nos falta o estímulo para produzir.
O equipamento necessário para produzir o de que necessitamos para comer (para montar uma indústria e para melhorar a agricultura) exige uma considerável acumulação de capital, isto é, exige um excedente sobre o que consumimos. Se quisermos sair da nossa actual miséria, temos não só de pagar o que cada português come, mas ainda deixar de lado uma sobra com que se possa comprar equipamento.
Os meios até agora utilizados para acumular capital são essencialmente dois: o primeiro é a economia liberal de concorrência, que produz o lucro privado; o segundo é a economia autoritária, com normas de produção e consumo impostas pelo aparelho de Estado, que desta maneira tenta obter o lucro.
O primeiro caminho obriga ao desenvolvimento máximo da iniciativa privada nacional e à eliminação dos possíveis obstáculos que a impedem. O papel do Estado neste caso é estimular quanto possível essa iniciativa, ajudar as empresas a procurar mercados de consumo (que no caso português terão de ser internacionais) e canalizá-la indirectamente para as produções mais lucrativas do ponto de vista do capital nacional. Para fomentar a acumulação do capital nacional haverá que favorecer os lucros das empresas nacionais.
É o caminho que seguiram no século XIX as economias ocidentais, permitindo a algumas delas atingir no nosso século um tal nível de produtividade que puderam ultrapassar a fase da economia libera], concorrencial, e entrar na fase da economia solidária, social-democrata, em que se encontram hoje a Inglaterra, os países bálticos e poucos mais. A sua produtividade é tal que o Estado pode distribuir parte dos lucros a consumidores inactivos, sob a forma de pensões de desemprego, pensões de reforma, estudos gratuitos, seguros sociais, etc.»
«Os três caminhos», capítulo de «Filhos de Saturno», de António José Saraiva (publicado originalmente no Diário de Notícias de 01-06-1979)
(Continua)
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